nos interrogatórios, avalia: “o xadrez era a ascensão das profundezas para superfície do inferno. Até o tratamento mudava. Vagabunda, vaca, filha da puta e outras chulices eram termos recorrentes no porão” 30. Carmela passou pela situação peculiar de estar presa no mesmo presídio, Linhares, que seus filhos que, por distintos caminhos chegaram todos à prisão como militantes. Angelo e Murilo sairiam do Brasil no sequestro do alemão. Carmela, no suíço, iriam muito tempo depois se reencontrar no Chile. Outras mulheres e certamente outrxs homossexuais estiveram na VPR, inclusive em cargos de liderança, como citamos ao longo deste livro. Assim como outros homens que problematizavam a subjetividade e a necessidade de reconstruir uma moral revolucionária. O que enfatizamos em todos os casos é que as questões de gênero foram atravessadas pela situação e posição de classe de cada um dos militantes.
A questão racial demarcada pela repressão Gostaríamos de poder aprofundar algo sobre as questões que envolvem preconceito racial, e encontramos muito poucos registros sobre isso. Onofre Pinto era apelidado “Negrão”, e pessoas que conviveram com ele até hoje se referem a ele dessa forma em conversas informais. Na entrevista ao Pasquim, de 1974, Angelo Pezzuti, perguntado sobre esse apelido de Onofre, comentou: “Ele permitia. Mas era nítido que odiava” 31. Por que permitia? Assim como Herbert escondia ser gay, Onofre silenciava sobre sua identidade racial. Já comentamos o caso dos insultos raciais contra Otavio Ângelo: ‘Negro fedido, nós aqui na merda, combatendo terrorista e você vai assistir a Copa no México’.32 Portanto, era uma questão reforçada de forma insultante por parte da repressão. Havia os casos de consciência racial, embora, naquela época, não tenha sido colocado dessa forma, ao menos não localizamos discussões a esse respeito. Nesse sentido, a história de Damaris Lucena é marcante. Nordestina, negra, consciente da origem africana da família, onde familiares foram trazidos ao Brasil como escravos 33: 30
Idem, op cit. p. 75. Pasquim, op cit. p.11. 32 Idem, op cit. p. 110. 33 Ela relata em seu depoimento sobre a importância de retomar essas origens, ensinar aos filhos, preservar sua cultura. Mas isso em depoimento em 2014. Não encontramos 31
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