LiteraLivre Vl. 4 - nº 23 – Set./Out. de 2020
Jeremias Reis Comaru Fortaleza/CE
Fim
Olhei através do vidro e percebi que já era noite. De que adiantaria eu me levantar? Certamente, o que encontraria seriam um par de almas penadas e um ou outro vigia dormindo. Então, fiquei tranquilo por alguns instantes, voltando a sobrepor as mãos unidas ao peito. Que péssimo costume! Porém, sobreveio uma fome mortal. Não me lembrava da última refeição. Tentei, sem sucesso, encontrar algum sabor na língua; vinho ou carne talvez. Era muito provável que meus dentes tivessem sido escovados. Para que eu pagava aqueles inúteis? Tirei o velho relógio de bolso para ver as horas e fiquei feliz por ouvir aquele ruído tão exato quanto monótono. Procurei um resto de luar após a passagem das nuvens. Devia estar uma noite ou madrugada bem agradável. Quando consegui descobrir a posição correta dos ponteiros nos algarismos romanos caligráficos do meu magnífico suíço de algibeira, dei-me conta das vinte e seis horas de jejum e que meu problema estava cada vez mais grave. Depois de quase morrer cremado, morrer de fome ou sede era quase um privilégio. Quando eu era mais novo, levava tudo isso na brincadeira, matando de susto as pessoas quando aparecia. Só minha mãe mantinha as esperanças. Porém, com o tempo, minha estranha característica acentuou-se. No meu primeiro enterro, aos quinze anos, houve uma grande comoção na cidade, pois todos deram como certa minha ida definitiva para a terra dos pés juntos. Minha mãe, incrédula, foi me visitar no dia seguinte e me resgatou. Do mesmo modo, a desgraça repetiu-se outras três vezes. Já adulto, comprei um cão de guarda de faro apurado. Jack era um pastor belga mallinois, o mais inteligente que conheci. Ele me livrou de muitos enterros
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