LiteraLivre Vl. 4 - nº 23 – Set./Out. de 2020
Mauro Vitale Itatiba/SP
O mundo do alto da sua cabeça Sinto saudade de você velho companheiro. Do tempo em que estávamos juntos e Eu era o seu confidente. Você se lembra? Quando você acordava de madrugada exaltado, procurando um papel e uma caneta para poder anotar um novo poema que chegara em sonho? Eu estava lá para vê-lo trabalhar enlouquecidamente até o sol raiar. E então você lia a sua mais nova canção para mim. Você, com a sua entonação grave, esmiuçava todos os pormenores de uma noite de amor que nunca teve. Ondas sonoras me invadiam e tomavam conta de todo o meu ser. E Eu, o seu primeiro ouvinte e maior admirador, contemplava estasiado mais uma preciosidade saída da sua cabeça tempestuosa. Sou grato a você que me apresentou o mundo. Por cada conhecimento que alcancei estando ao seu lado. Eu carrego na lembrança a imagem do nosso lar, onde talvez você agora esteja sonhando com um novo poema de amor que nunca experimentará. Eu fecho os olhos e caminhamos pelo quarto novamente. Revejo as paredes verdes, a janela marrom de madeira que vivia permanentemente fechada, a cama caramelo e manca que vergava com o seu peso ao se deitar. Me lembro de cada móvel, de cada teia, de cada nódoa no teto. Dos azulejos da cozinha amarelados pela gordura das suas intermináveis frituras. E quase sinto o cheiro da gordura velha misturado com o acre das garrafas de bebidas largadas e da fumaça do cigarro que impregnava o ambiente. O seu cheiro. Sentia-o nos seus cabelos ensebados e na sua barba sempre por fazer. Mas veio aquele dia amargo e nossa história se desfez. Na ocasião Eu sentia que algo estava prestes a acontecer. Não dei muita atenção para esse sentimento e segui tocando a vida. Lembro que você tomou banho e vestiu as mesmas roupas puídas de sempre. A velha camisa xadrez vermelha, uma caça jeans e o paletó marrom já bastante gasto nos cotovelos. Você estava alucinado, colocou uma, duas, três taturanas para cheirar. Guardou a cocaína junto com um pequeno espelho e um pedaço de canudo de plástico no bolso do paletó e saímos. Do nosso pequeno apartamento no vale do Anhangabaú seguimos em direção a rua Augusta. Chegando na baixa Augusta paramos num boteco onde você se serviu de cerveja e cachaça e fomos para fora fumar. Enquanto acendia o cigarro Eu
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