LiteraLivre Vl. 4 - nº 23 – Set./Out. de 2020
Rosa Acassia Luizari Rio Claro/SP
Segredos Misterioso era aquele homem que vi hoje orando em desespero como quem se veste de religiosidade. O cenário pouco figurativo colocava-o a pedir consolo diante da imagem de Cristo. Apressei meus passos na direção do homem envolto em silêncio na conversa íntima em confessionário, a transpor, em oratória solo, as mais atormentadoras atribulações. Algumas lágrimas caracterizaram o semblante de olhar melancólico. Torci que balbuciasse algumas palavras de desabafo para dominar o assunto que o afligia, mas tudo em vão. Imperava o desejo ardente de ser salvo. Com fervor, apresentava a Deus, em ato de entrega plena, a própria vida. Apaixonei-me de imediato. Impressionara-me a atitude de humildade daquele homem diante da imagem de Cristo na igreja. Por que provações estaria passando? Fiz uso da curiosidade inerente às mulheres e tentei, com a suavidade própria de quem quer descobrir algo, interrogá-lo a respeito de assunto qualquer, apenas para efetivar a necessária aproximação. Observei que um papel cheio de amarguras delineadas à tinta preta figurava em suas mãos. O que estava escrito eu não contarei, mas foram anos de sacrifício por um amor não correspondido. Por meio de artimanhas femininas que os homens desconhecem, fiz as vezes de alguém íntimo e descobri que havia se dedicado a uma mulher que fazia pouco de seu amor pelo fato de ter no coração um outro alguém que nunca deixou de estar ali. Evidentemente, tocamos no assunto fora dos muros da religiosidade formal. O lugar reservado para conversas com o Senhor Deus não pode ser espaço de assuntos do mundo, ainda que nada houvesse de pecaminoso em nosso diálogo. Após um tempo de contato diário, passamos a frequentar os mesmos lugares e trocamos segredos deveras guardados na alma. Finalmente, eu soube o que, de fato, envolvia aquele amor do passado. Prometi a meu amado jamais compartilhar tais segredos com quem quer que fosse, nem mesmo com meu público leitor. Desde já peço desculpas, mas o que se promete a um grande amor é palavra que não precisa de assinatura. Renato contou-me toda a sua vida e a confiança é ouro que não se dispõe. Um ano depois, lá estava eu a depositar flores no altar da mesma igreja onde nos conhecemos. Fiz uma oração de agradecimento a Deus por ter me permitido conhecer aquele homem que passou a dar sentido à minha vida. Dediquei as flores a Nosso Senhor Jesus Cristo e a meu amado. Há seis meses, estava em sublime repouso desencadeado por algumas microgramas de ricina que comprara em segredo.
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