LiteraLivre Vl. 4 - nº 23 – Set./Out. de 2020
Rosangela Maluf Belo Horizonte/MG
Um Carimbo A população de Feijãozinho estava chegando ao seu limite. Cem dias de pandemia. Cem dias de aflição. Cem dias se contendo: hoje não sai, só amanhã; amanhã sai mais depois de amanhã não pode mais. Ir ao boteco “tem tudo” do seu Quinzinho pode, mas só pra comprar no armazém e algum remédio na farmácia. O bar continua fechado: nada de pastel, empadinha ou caldo de cana. A pequena padaria agora só vende pão de forma, industrializado, nada de pãozinho artesanal nem pão de queijo. Que porcaria! Serviços essenciais podem abrir: a única farmácia, o único postinho de saúde, a única padaria-lanchonete e o único barbeiro que abre mesmo sem poder: — Quem é que vai me multar, quero ver? diz seu Manoelito. Guarda Municipal, não tem. Auxiliares do trânsito, também não. Cadeia, não tem. Igreja também não, mas tem a capela de Nossa Senhora Aparecida. Escola só o ensino fundamental que funciona no casarão, em frente à capela. Ao lado do boteco do seu Quinzinho fica a farmacinha, assim chamada porque na verdade, não tem quase nada mesmo. O que se passa em Feijãozinho é sui generis: com pouco mais de mil habitantes a cidade pertence a Feijões, um pequeno município, a 16 quilômetros de distância. O prefeito de Feijões tem um irmão que trabalhou como soldado da PM, na capital. Entretanto, por ser um grande causador de confusões, o ex-soldado foi morar em Feijões a convite do irmão prefeito. Mas como arrumar alguma coisa para o ex soldado? O prefeito teve uma brilhante ideia, promovê-lo a supervisor da vila de Feijãozinho. Supervisor de uma vila? Isso existe? Não. E o que ele deveria fazer? Nada. Alugou uma casinha, levou o cachorro, a vara de pescar, mobília pouca, um tapete arraiolo, presente da mãe e assim, já instalado, foi pouco a pouco ganhando a simpatia do povoado mesmo daqueles mais revoltados que não aceitavam tamanho abuso com o dinheiro público. Era gente boa, o sujeito! Quando a pandemia se instalou pra valer na capital, Feijãozinho não havia ainda registrado nenhum caso da Covid 19. Encontravam-se no terceiro mês de
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