LiteraLivre Vl. 4 - nº 23 – Set./Out. de 2020
Carmo Bonfim Senhor do Bonfim/BA
O Sim
Meu nome é Marcos, porém, não quero falar sobre mim. A história que quero lhes contar é do meu irmão e melhor amigo, o João. Sua vida mudou muito depois daquele maldito jogo da Mega-Sena. Ele é pedreiro por profissão, assim como eu, milionário por sorte. E que baita sorte. João ganhou 150 milhões sozinho. Bem, tecnicamente sozinho. Eu seria o padrinho de casamento dele, entretanto, a situação ficou feia. Às vezes o dinheiro traz mais problemas do que felicidade. Senti o cheiro inebriante das flores antes mesmo de chegar à Catedral de Nossa Senhora do Carmo. A escadaria estava toda enfeitada com pequenas flores rosas. As flores brancas e amarelas do interior eram destacadas pelo tapete vermelho. As luzes douravam as paredes. Senti-me transportado para um mundo diferente. Um mundo de paz, felicidade e amor. João, por causa de nossa mãe era devoto de Nossa Senhora do Carmo. Os convidados, muito bem vestidos, estavam chegando e lotando à igreja. Somos nordestinos. Em nossa região, a seca castiga homens, animais e o pouco que plantamos. O único jeito de colocar o que comer na mesa de uma família de muitos filhos é tentar a sorte na cidade grande. Como filhos mais velhos, eu e João saímos de nossa terra e viemos para São Paulo. Acostumados ao trabalho duro, de sol a sol, logo arrumamos serviço, mesmo não tendo muita instrução. Não tínhamos muito tempo para os estudos. Ajudávamos nosso pai a sustentar nossos outros oito irmãos. Aqui, o que arrumávamos, mandávamos uma parte para nossa família e com o resto, íamos nos virando. Estávamos felizes. A cidade grande tem muitas opções para quem sempre viu pouco. Divertíamo-nos vendo a diversidade de pessoas, suas roupas, jeitos de falar e de agir. Como agora. A catedral está cheia de gente bonita, sofisticada, grã-fina. Um prato cheio para meus olhos deslumbrados. João está nervoso. Posso sentir a tensão exalando do seu terno caro. Tenho certeza de que ele não presta a mínima atenção aos presentes que desfilam procurando os poucos lugares para sentar. Nos momentos de folga, João e eu, íamos a feiras nordestinas e bailes de forró. Nada contra música eletrônica, samba, rock ou MPB. Nós gostamos mesmo é de Luís Gonzaga, Gonzaguinha, Trio Nordestino. Foi em um desses bailes que meu irmão conheceu a Andressa. Corpo bonito, jeito faceiro, riso fácil. Ele se encantou. Em pouco tempo estavam morando juntos. — Marcos, vamos na 25 de março. Quero comprar uma coisa para a Andressa. — Seu tom alegre e misterioso me deixou com uma pulga atrás da orelha. — O que você quer comprar para ela? Estamos meio duros este mês, não? — Argumentei, me lembrando que tivemos pouco serviço nos últimos dias. —
35