LiteraLivre Vl. 4 - nº 23 – Set./Out. de 2020
Débora Araújo Juazeiro do Norte/CE
Pele Cinza
Quando abriu a porta do quarto que ficava no fundo da casa, Bárbara sentiu o cheiro de mofo e urina que impregnava o cômodo. Hesitou na entrada, perguntando-se novamente se não deveria esperar a filha chegar para ajuda-la. Entretanto, Alice avisara que sairia com os amigos, o que significava que demoraria a voltar. Adentrou o local, segurando algumas caixas vazias de papelão, uma dentro da outra e as colocou no chão, separadas. Olhou enojada a cama onde a mãe dormira nos últimos três anos. No guarda-roupa, primeiro lugar que escolheu para recolher as coisas, notou que, provavelmente, nem precisaria de todas as caixas que tinha trazido. Eloá tinha poucos pertences e suas roupas se compunham, a maior parte, de camisolas finas e desgastadas. Aquilo não daria nem para doação, pensou, possivelmente virariam pano de chão. Começou o trabalho de forma automática e rápida. Queria sair daquele lugar fétido o quanto antes, uma vez que mal frequentara aquele lugar com a mãe viva, quem diria com a mesma já enterrada há meses. Bárbara não parecia lembrar que um dia ela e a senhora que habitara aquele cômodo foram muito amigas, tal qual ela era com sua filha. Mesmo quando ela mudou-se de cidade e começou a construir a sua própria família, elas continuaram mantendo contato, mas aí veio a doença. A maldita doença. Eloá foi a diversos médicos, mas nenhum sabia dizer o que aquilo era e nem mesmo sabiam como fazer com que as manchas acinzentadas com líquido viscoso escorrendo parassem de aparecer pelo seu corpo, deixando a mulher cada vez mais fraca e demente, até o ponto em que precisou morar com a filha. O aspecto da mãe era para Bárbara algo asqueroso. As manchas já invadiam quase toda a extensão da pele, inclusive o couro cabeludo e o líquido estava sempre manchando roupas e colchas da cama e pingando no chão. Colocara a mãe num minúsculo quartinho no quintal da casa e contratara uma enfermeira para cuidar dela durante o dia. A noite era deixada uma grande quantidade de comida e uma garrafa de água ao lado da cama, junto com um penico para que ninguém precisasse ir até lá ajudá-la. Alice, às vezes, ia conversar com a vó, tinha paciência em entender suas balbuciações e perguntava a mãe o porquê de não ir vê-la. — Ela sente sua falta — dizia. Contudo, Bárbara não achava aquilo possível, visto que a genitora mal se lembrava de quem era. A noite era atormentada por pesadelos terríveis. Sonhava que era velada por um monstro de cor cinza enrugada, com pouquíssimos fios
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