LiteraLivre Vl. 5 - nº 26 – Mar./Abr. de 2021
podia, mas Leandro vinha puxar conversa toda vez que me via. Já cheguei a acreditar que ele se parece comigo, mas evitava demonstrar isso quando estávamos entre os outros. Eu acredito que ficar quieto quanto a isso foi a melhor forma que ele encontrou para continuar existindo. Enquanto isso, eu permaneço na penumbra da sua sombra. Quando me mudei para a pensão, a porta do meu quarto ficava quase sempre aberta. Depois que percebi que as pessoas nunca eram as mesmas, elas vinham e iam quase todos os meses, tranquei e nunca mais a deixei aberta, a não ser para sair vez ou outra, quando ficava insuportável manter-me preso. As outras pessoas se mantiveram trancadas todo o tempo que vivi na pensão. Às vezes apareciam na penumbra do quarto, para logo voltarem-se e esconderem-se novamente. Penso que se assustavam quando me viam. Não entendo! Na verdade, poucas vezes me viam! Leandro era o mais próximo. Penso que eu o criei, pois, assim como Francisca, ele sumiu. Certa vez tomei coragem e decidi sair do quarto. Não podia mais aceitar aquela vida solitária, uma meia vida. Não queria ter como companhia as paredes frias, cheirando a mofo, daquele quarto escuro. Foi o que eu pensei.Provavelmente eu tenha imaginado além da conta. Nem sei bem. Talvez tudo isso não tenha passado de um sonho de uma vida feliz na qual eu pudesse sorrir sem
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ser Pedro, Felipe, Francisca ou Leandro, ou qualquer um que dissessem que eu era. Uma vida de vida mesmo. Sabe? Daquelas que nem tudo é rosa, mas também não é só espinho! Daquelas que a chuva aparece no inverno, mas o sol promete brilhar no verão. Uma vida de brisa leve, de sonhos reais. Uma vida com cheiro de existência. A tentativa foi em vão. Conclui que não consigo mais sair daqui; a porta está trancada. Como deixei que chegasse a esse ponto? Como pude sufocar a mim mesmo? Será que ficarei aqui para sempre? Vão continuar usurpando a minha existência? Antes eu era rebelde. A porta do quarto ficava sempre escancarada, como disse; até conversava com os outros inquilinos. Confesso que eram uma, duas no máximo três frases curtas. Agora? Agora não consigo sequer abrir a porta, pois ela está fechada. Eles não deixam que eu saia. Ou será que sou eu quem não quero sair? Tive a ilusão de achar que eles pouco saíam, quando na verdade era eu quem ficava aqui, preso neste quarto de pensão. Passo o dia trancado. O cheiro de mofo está insuportável! É escuro! Faz frio! Não tem cama aqui, nem mesmo um pedaço de trapo velho para que eu possa descansar. Sair? Não dá! Os outros inquilinos me dão medo. Já cheguei a cogitar que eles fecharam a porta de propósito para me manter