LiteraLivre Vl. 5 - nº 26 – Mar./Abr. de 2021
quem era, que tomara posse de umas terras. Muitas terras. Todos viram aquele bando de gente e cacarecos sendo despachados na gare de Catende, fazendo mais barulho que zabumba em forró do lambe foice. A Maria Fumaça chegara rangendo de tanta tralha trazida: carroças, mulas, armas, baús, fardos de secos e molhados, e sabes-selá quantas coisas mais! A caravana que estava à frente da estação, segundo o falatório, seguiria rumo ao Engenho Raiz Nova. Logo o povo do lugar confabulou com os capangas, daquela que mais parecia uma expedição, e ficou se sabendo tratar-se de Rei João, Rainha Magalona e a Princesa Magalina, que acabara de chegar das Arábias. Não era de se estranhar, pois até camelo tinha entre toda aquela barafúndica algaravia. Pronto: foi um deus-nos-acuda, um alvoroço. Mil e uma histórias começaram a se ouvir: era o Rei de Alexandria, que era parente de Ali Babá, que era primo distante de Carlos Magno, Rei de França. Outros diziam ser Dom Sebastião, o Esperançoso, Rei de Portugal que veio para nos salvar. E ainda houve quem dissesse ser o Fidalgo Dom Quixote de La Mancha e sua garbosa donzela Dulcinéia Del Tomboso. E Malaquias Fim Fim, que não era besta nem nada foi logo se abancando à caravana, achando seu lugar na comitiva, bem ao lado do Rei João, de preferência, para tomar partido da situação, pois do mistifório da turba só se ouvia mexerico. Logo então, foi puxando conversa, pois matuto pernambucano entende de tudo, desde acasalamento de muriçoca à atracação de navio. E que, se seu João não fosse rei, mas o Fidalgo De La Mancha seria ele, de pronto, seu fiel escudeiro Sancho Pança. E logo começou a escudá-lo: apontando o
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Riacho do Mel ali perto, o Ribeirão do Bom Deus acolá, e avisa: — Cuidado com a pinguela que é fraca, as macambiras espetam... Tá vendo aquelas palmeiras frondosas lá à beira do Rio Jacúipe, adonde o sol se mata depois que flameja e despenca da ribanceira?, não é moinho de vento não, é palmeira de coco catolé, aquela outra é macaíba. E, com toda essa marotisse, Malaquias foi tomando confiança. Seu João, indiferente a sua prosa pergunta para mulher Magalona: — E aí mulher estás a gostar do lugar? — É, é bonitinho, mas não deu para ver tudo direitinho não João, nem sentei o pé ainda! Malaquias Serafim, ouvindo aquela conversa cheia de quiproquó, exasperou-se, e foi logo retrucando seu João e desenrolando um rosário de qualidades do lugar: — Bonitinho uma pinoia! Isso aqui é mais do que lindo. Esse lugar é uma belezura. Veja esse panorama, olhe só aquela plantação de carnaúba, aqueles pés de ingá... Veja a cor do rio é verdinho, verdinho. É pura esmeralda, olhe o brilho da água parece um veio de cristal. Olhe, veja lá na queda do penedo, parece um véu de noiva de água a jorrar!... E que mal lhe pergunte, o senhor me adesculpe a ignorança, mas não me leve a mal nisso não, nem leve pra má querença, mas o senhor é rei de onde?... Rei de quê?... Ou é algum fidalgo? — Rei de quê? E fidalgo coisa nenhuma!... Que história é essa? Só se for rei do peixe frito, rei da cocada preta!... Sou negociante!... E mascate, ora bolas!... Compro bacalhau dos navios das Noruega,