LiteraLivre Vl. 5 - nº 26 – Mar./Abr. de 2021
Regina Ruth Rincon Caires Campinas/Araçatuba/SP
Belarmino do Depósito − Pode dar meia-volta, Belarmino, hoje você não trabalha. Vai descansar a carcaça por um bom tempo. Pode até ficar mais bonito, sabia? Só de ouvir a voz enfadonha do gerente, Belarmino sente um arrepio. É uma aversão que se avoluma a cada encontro. De repente, vem aquela vontade danada de perder a paciência, mas, talvez por intercessão de todos os santos, desvia o corpo e entra na loja. Se o infeliz imaginasse a angústia que o subalterno enfrenta a cada minuto da vida, se ele vestisse a pele do outro por um dia apenas, não seria tão impiedoso. O sorriso mangador, afetado, há muito tempo está entalado na garganta de Belarmino. Uma hora, isso não vai dar certo. Empurra a porta do escritório: − Licença, patrão... − Entra, Belarmino, senta. − O senhor vai me dispensar? − Que é isso, homem? Ficou louco? É o seguinte: recebi orientação de que, a partir de hoje, o empregado que tem mais de sessenta anos deve ficar em casa. É exigência trabalhista, essa pandemia traz muito risco. Vamos obedecer, não é, meu velho amigo? − O senhor que sabe. − Pode ficar tranquilo, você vai receber o pagamento e a cesta básica na sua casa. Não precisa sair. Nada de correr riscos. Vai acompanhando as notícias, não demora muito e tudo isso passa. Confia em mim?
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− Claro que confio, patrão! O senhor é cópia do seu pai, que Deus o tenha... Direito que nem ele. Segurando a sacola com a marmita ainda morna, e estranhando inverter o percurso àquela hora da manhã, o empregado obedece. Se bem que sente um alívio gigante de saber que poderá ficar em casa, enfurnado. Sem horário, sem compromisso. E, o melhor de tudo, sem exposição. Bota fé no patrão, ele tem os mesmos olhos mansos do pai. E o velho Deodato lhe traz saudade. Entrou na vida de Belarmino quando este ainda era moço, num tempo em que ele mais a mãe vendiam ovos com a carrocinha de mão. O velho era cliente. E, quando Belarmino ficou só, já madurão, Deodato ofereceu o trabalho na loja. Na loja, não. No depósito, ao lado. Logo o empregado compreendeu a razão de ser colocado lá. Realmente, não era uma figura agradável de ser vista. Isso não foi falado, foi entendido. Sabia que era extremamente feio. Não só feio, era estranho. Desengonçado, excessivamente alto e magro. As pernas compridas se encontravam apenas nos joelhos voltados para dentro, o que lhe conferia um andar arrastado. Não lento, apenas arrastado. E os olhos eram apavorantes, horrendos. Grandes, desmedidos e saltados das órbitas. Mas Belarmino não era mau, nunca foi. Apenas ressabiado, arisco. Resmungão.