LiteraLivre Vl. 5 - nº 26 – Mar./Abr. de 2021
com o cano da arma na cabeça, olhando
maçaneta e a pressionou para baixo.
mais uma vez os porta-retratos.
Assim que abriu a porta, apontou a
“Não faça nenhuma besteira quando eu morrer.”
pistola
e
apertou
vezes.
Gabriel,
o
de
gatilho
seis
duas
anos,
foi
“Não vou fazer nenhuma besteira.”
atingido na testa e no peito. Olhando
“Não faça nenhuma besteira quando
aquele corpo franzino no chão, o
eu morrer.”
velho, sem pestanejar, apontou a
“Mas...”.
arma e disparou inúmeras vezes a
“Me promete...”.
queima roupa, causando na criança
“Não vou fazer nenhuma besteira.”
gostosas gargalhadas.
Continuava
a
dar
batidinhas
na
cabeça com a arma.
– Pai, já tá bom. Ele tá todo molhado.
Vai
do
–
repreendeu
Parou de bater a arma na cabeça
sorrindo de Gabriel no chão, que
para olhar o relógio de pulso, o último
falava “mais, vovô, mais, vovô”. E o
presente que a velha lhe dera. Suspirou
velho continuava a atirar. E o menino
e recomeçou a balançar as pernas de
ria tanto, tanto, que parecia que
novo. Dessa vez, com a pistola no colo.
perderia o fôlego. Gabriel percebeu
Houve um momento em que a arma caiu
que não havia mais munição, se
no chão, mas não disparou. Curvou-se
levantou e correu para abraçar o avô,
para pegá-la e, quando já tinha a pistola
que o segurou no colo.
Sobressaltado,
mãe
gripado
– Desgraçado!
na mão, escutou a campainha.
a
ficar
menino,
– Vovô, posso te pintar? – pediu
levantou-se
da
poltrona e segurou mais forte a arma, já com o dedo no gatilho. Passos largos e apressados o levaram até a porta. Um
o menino, com um sorriso largo e esfregando as mãos. – Claro que pode. Já tô vestido pra isso.
filete de suor apareceu-lhe na testa. Viu
– Pega aqui as tintas, Gabriel –
pelo olho mágico quem estava ali. Girou
falou a mãe, tirando três potinhos da
a
bolsa.
chave
mínimo
devagar,
tentando
barulho.
profundamente,
colocou
a
fazer
o
Suspirou
– E depois vamos jogar memória!
mão
Gabriel não continha a euforia.
na
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