LiteraLivre Vl. 5 - nº 26 – Mar./Abr. de 2021
armazém de Antônio Dias. O leite tomado morninho, recém-tirado das vacas, o queijo fresco, o requeijão, tudo delicioso. Um amigo do meu pai nos levou de táxi. Saímos de nossa casa rumo à rodoviária de João Monlevade. O ônibus para Nova Era já estava estacionado. O papai colocou as duas malas e subiu com a sacola do lanche. Nos instalamos: ele no corredor e eu na janela. Muito curiosa, ansiosa pra ver todas aquelas paisagens desfilando rapidamente ante meus olhos. Me lembro de ter acordado quase chegando à estação do trem! Isso mesmo. O ônibus nos deixava na estação ferroviária de Nova Era, onde pegaríamos o trem até a cidadezinha de Drumond. Certamente meu tio estaria lá esperando por nós, com os cavalos. Sim. Chegaríamos à fazenda em grande estilo: eu, montada em um belo cavalo malhado de cinza e branco. Era assim que eu imaginava a nossa chegada, um cavalo só pra mim, pra eu “dirigir” sozinha. No trem, olhando tudo, maravilhada com aquela minha primeira viagem. Vendo tudo pela janela aberta, o vento nos cabelos, os olhos apertados, tudo era novidade. Depois de certo tempo, a sacolinha do lanche foi aberta e ali mesmo comi os ovos cozidos, o sanduíche de queijo e uma garrafa de Guaraná, já quente! Adormeci deitada no colo do papai. Acordei com ele me avisando que estávamos quase chegando. Fiquei novamente de pé,
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encostada na janela esperando chegar à nova estação. O vento, o rio correndo do lado direito, o sacolejar do trem, o apito... Respirei fundo e sorri. Que alegria! Descemos. Eu carregava uma pequena bolsa com nossos chinelos e o meu único sapatinho preto, de verniz. O papai se encarregava do resto: duas malas de couro com nossas roupas e presentes para o tio e a tia. Os nove primos ganhariam bombons Sonho de Valsa. Eu não os conhecia, mas o papai foi logo abraçando um senhor de chapéu e outro rapazinho. Meu tio e o meu primo mais velho. Fiquei triste quando vi dois cavalos: um para o meu tio e o meu primo na garupa, outro pra mim junto com o papai na mesma sela. Lá se foi o meu sonho de cavalgar sozinha, como nos filmes. Não tenho hoje a menor noção de quanto tempo levamos até a fazenda, mas a viagem foi uma experiência inesquecível. Eu me sentia como num sonho ou numa tela de cinema. Achei muito lindo passar pelos caminhos, ladeados por árvores imensas. Achei mágico olhar para o alto e, através do verde das árvores, ver o céu azul, como manchas esfumaçadas de uma tela, em aquarela. Havia um riacho para atravessar. Meu tio sugeriu que apeássemos (descer do cavalo) e o papai disse que me mostraria uma coisa que eu nunca havia visto antes.