LiteraLivre Vl. 5 - nº 26 – Mar./Abr. de 2021
Letícia contrai os lábios e balança a cabeça tristemente. A sua cabeça e o seu espírito não estavam para folguedos. Deixou que as colegas se distanciassem um pouco e depois saiu sozinha, na companhia apenas de seus pensamentos e de suas desventuras. Uma ideia surgia em sua mente. Caminhava cabisbaixa, sentindo nas costas o peso das suas preocupações. Venceu com dificuldades as correntes de ar da velha ponte, fazendo um esforço enorme para segurar as saias e os livros ao mesmo tempo. Ao chegar ao centro da cidade, a visão de uma loja de roupas íntimas, bem ali, a sua frente, levou-a a pensar coisas que em outras circunstâncias, jamais teria pensado. Aquela imagem era um convite à loucura que se passava em sua mente. Armou-se de coragem. Entrou na loja. Passeou olhando em todas as direções. Escolheu várias calcinhas. Sabia muito bem que não tinha nenhum dinheiro para comprar nenhuma delas. Concentrou-se no seu plano. Tremendo como uma vara verde, se esquivando entre as vendedoras, deu um jeito de esconder uma das peças atrás dos livros que carregava de encontro ao corpo. Não sabia o que seria mais degradante: ser descoberta nua andando pelas ruas ou ser levada presa para uma delegacia de menores por roubar roupas íntimas em uma loja de lingerie.
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Nada para ela importava naquele momento... Saiu da lanchonete com a cabeça erguida. Já não tremia mais. Saiu sorrateiramente da loja, sondando e espreitando para ver se alguém a havia seguido, entre desesperada e amedrontada. Um gato preto atravessou o seu caminho e se enroscou nas suas pernas. Quase a faz cair. Ela o chutou sem pena. Não era supersticiosa. Entrou em uma lanchonete. Pediu para ir ao banheiro sob o olhar enviesado de um dos garçons. Sozinha e em segurança; sem pestanejar, vestiu rapidamente a sua primeira calcinha de renda. Soltou o ar que estava preso nos pulmões. Agora sim; posso respirar com facilidade. — Pensou aliviada. Estava vestida. Isto é o que importa agora. O medo já não a consumia. Esvaiuse como bolinhas de sabão ao vento. Na calçada, cabeça erguida, olha para um lado e outro; avista o gato preto que ao vê-la se esconde rapidamente. Ajeita os livros nos braços, segura-os de encontro ao peito como para se proteger do mundo e diz para si mesma: — “Acabou. Estou livre e salva. Agora, é voltar para casa.”