LiteraLivre Vl. 5 - nº 26 – Mar./Abr. de 2021
Bruno Madeira Rio de Janeiro/RJ
Homem minhoca
Pereira Nunes esquina com Teodoro da Silva, num prédio bem, bem alto e estreito. Num prédio estreitamente alto e velho(como uma debilitada minhoca da terceira idade) cercado de comércios locais, pedestres locais, pombos locais e mendigos locais. Bem no primeiro andar dessa construção em formato anelídeo e com ares de prisão, sentada em sua penosa cadeira, minha(amada por muitos e odiada por muito poucos) avó trabalhara por anos como assídua caixa em uma grande bilheteria nacional, vendendo ingressos diversos para diversões não divertidas. Ainda assim, era lá que ela dedicava horas de seu dia. E fora lá que vivera grande parte de sua vida. Coberta de anseios e desejos que a guiavam para amar. Minha vó tinha exatos um metrô e quarenta de altura, a medida perfeita para poder escolher entre o bebedouro infantil ou o adulto em uma fila. Ela crescera somente até seus 13 anos, e aos 16 já começara a encolher. Aos 18 arrumou seu primeiro emprego, e foi lá que aos 20 conheceu o meu avô. Os dois se apaixonaram à primeira vista. Ou melhor, a sua primeira vista. Por conta da estatura pequenina, e das janelas antibriga da bilheteria, minha vó em toda sua astúcia, se perdeu de amores por meu avô ao ver sua boca
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silabar, enquanto ele apenas via suas mãos a anotar. Até hoje ela ressoa essa história aos ventos, e ressalta a todos, que fora naquela bilheteria antiquada que ela encontrou quem a completasse, e descobriu eternamente, que a boca é, e sempre será, o membro mais importante para se amar. Seja nos lábios ou nas línguas, com mal hálito ou com comida, sempre há encanto pra ressaltar. Cresci pensando assim, meu pai era dentista e minha mãe uma cantora. Amantes da boca, que se usavam da lábia e trabalhavam entre dentes, para poderem enfim lucrar. Um cuidava das bocas, e a outra a explorava pra ecoar. Dois pombinhos dos lábios macios, que adoravam se bicar. Com poucos meses aprendi a cuidar de minha arcada, meus lábios, línguas, dentes, e tudo mais que cercava a primeira fase de minha digestão, melhor do que muitos adultos. Aos 2 anos, descobri comigo mesmo que minha boca, além de influir no amor, também era capaz de falar. Minha primeira palavra dita, não recordo até os dias de hoje, já que pra mim, era muito mais interessante