LiteraLivre Vl. 5 - nº 26 – Mar./Abr. de 2021
apenas ressoar o grunhido de minhas cordas vocais, do que chegar a decifrar o que fora dito. Passei e repassei sequências em dezenas de anos pensando assim. Com uma mentalidade fraca e insistente. Aprendi a gritar meus desejos, ecoar minhas vontades, articular meus interesses. Mas nunca a ouvir quem me cercava. Eu sabia que dos meus lábios viriam a paixão. Mas não que de outros eu precisaria conciliar. Infame como o mundo, e incerto como um balbuciar antes de falar. Na velocidade de uma tartaruga aleijada, tão lento quanto a própria lentidão. Aos poucos, vim a aprender que mais belo do que toda malícia dançada dos lábios ao falar, e irremediável quanto a sonoridade do próprio gritar. Toda beleza de uma boca, só vem de uma segunda a falar. Aprender a escutar foi meu esmero, meu repouso ao horizonte. Só se sabe o que falar, quando se ouve de tudo a ressoar. E só se sabe escutar, quando conhece a si mesmo em todos os aspectos e maneiras particulares. Vivi uma vida de anunciações, aprendi o que devia dizer e como o fazer. Em
seguida aprendi a escutar. Escutava tudo o que os outros tinham a dizer, na procura eterna do que eu queria saber. Mas somente em minha maturidade cognitiva, quando atingi esse meu "eu" em mim mesmo, foi aí que compreendi a compreensão em sua forma, e passei a me ouvir. A união indiscutível dos amores fisiológicos, onde enfim a boca e os ouvidos se unem, e se tornam um a mais. Mais um.
Furando o eterno mar celeste, bem na esquina da Pereira Nunes com Teodoro da Silva, um característico prédio se destacava. Em seu formato anelídeo minha avó trabalhara, e eu me punha a filosofar. Minhocas não possuem ouvidos. Minhocas tem boca, mas não ouvidos. O falar se sobrepõe ao ouvir, o insinuar se sobrepõe a escutar. Mas quando não se tem o próprio ouvir, as minhocas se descobrem enfim incapazes de falar. E sem ouvidos para se conhecer, se tornam então mudas para se escutar. Surdas de si mesmas, como quem não sabe o que pensar.
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