LiteraLivre Vl. 5 - nº 26 – Mar./Abr. de 2021
Receita vai, receita vem, D. Marocas, da seção de câmbio, exibiu seus amplos conhecimentos de doceira e explicou à Mônica e ao Chicão segredos para acentuar o gosto das frutas em calda. Os dois grandes apreciadores de doces tomavam nota de todas as recomendações nos guardanapos de papel e até nas bolachas dos chopes. Percebendo o entusiasmo de ambos, Mourão não resistiu a formular mais de um de seus trocadilhos: “é, todas essas receitas de frutas constituem um doce deleite”. Em sinal de que aprendia com seu mestre, Chicão imediatamente afirmou que, por esses e outros “achados”, muito desfrutava da companhia do Pensador. Para não ceder à tentação das réplicas e tréplicas, Mourão cuidou de mudar a agenda da mesa e perguntou quantos ali já tinham assistido à última aventura do agente 00 e meio. Quase todos haviam visto e começaram a comentar o filme, em especial as cenas inacreditáveis. Atento a tudo o que se falava e ao que se passava, Mourão percebeu que Anísio logo se afastou da mesa e sumiu por bom tempo. Quando ele regressou, a conversa já havia enveredado por outros temas. O Pensador aproximou-se do velho amigo e discretamente quis saber a razão da prolongada ausência. Achou muita graça quando Anísio explicou que ia justamente ver o filme com sua senhora no fim de semana, só que, entre os convivas na mesa, estava a chata da Lucy. Ela tinha a mania de contar toda a história, com riqueza de
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pormenores, estragando o prazer de quem ainda não assistira à película. Mourão prometeu jamais voltar a falar de cinema quando aquela colega estivesse presente. A noitada ficou ainda mais animada com várias porções de manjubinhas fritas trazidas pelo Osvaldo. Inacreditável, filosofou com seus botões o Pensador, como peixinhos tão miúdos podem incentivar o Ananias e o Heraldo a decantar seus autoproclamados dotes de pescadores em uma sucessão de casos de grandes espécimes por eles fisgados. Ainda que nutrisse alguma dúvida quanto à veracidade de tantas capturas fantásticas, Mourão reconhecia que deveria ser uma sensação das mais gratificantes pegar um peixe avantajado. Ele mesmo gostava de pescar, na companhia do filho, durante as férias, mas somente apanhavam lambaris e outros peixes pequenos no rio que passava na propriedade da cunhada, no interior do estado do Rio de Janeiro. Raramente tentavam a sorte na beira da praia, em Arraial do Cabo, Cabo Frio, ou no canal de Marapendi, ali mesmo na Cidade Maravilhosa. O resultado, de toda forma, era sempre o mesmo: peixes de pequeno porte. Nem por isso deixava de encontrar prazer nessas incursões pesqueiras, que lhe permitiam usufruir da companhia do filho querido. Após tantas histórias de pescador, a rede dos “barnautas”