DO “DOMÍNIO DO FATO” A “PROPRIEDADE DE FATO” Egas Moniz-Bandeira* Estas são as considerações do advogado brasileiro sobre alguns pontos polêmicos da sentença do juiz Moro: ‘’Quanto à delação premiada, a sentença declara: ‘Quem, em geral, vem criticando a colaboração premiada é, aparentemente, favorável à regra do silêncio, a omertà das organizações criminosas, isso sim reprovável. ’ (p. 47). Ora, de lege facta, a colaboração premiada foi permitida pela lei 12850, de 02 de agosto de 2013. Mas a frase do juiz Moro não cabe na sentença e chega a ser ofensiva contra muitos juristas de sólida reputação que criticam a colaboração premiada. Os sistemas jurídicos continentais, em geral, preveem a possibilidade de levar em consideração, em sentença penal, a conduta do réu após cometer o crime. Mas o que é alheio aos sistemas de Direito continental é o poder de se negociar a pena de antemão, inclusive por colaboração premiada. Sob influência do Direito anglo-americano, negociações sobre a pena têm sido introduzidas às leis de vários países, mas em todos eles a mudança legal é controversa e alvo de muitas críticas. Na Alemanha, a regra existia entre 1989 e 1999. Após troca de governo, foi reintroduzida em 2009. Na Suíça, uma norma muito limitada foi introduzida no Código Penal em 1994: de acordo com o art. 260B, o juiz pode mitigar (mas não completamente perdoar) a pena pelo crime de "participação em organizações criminosas" (não por outros) se o autor do crime "buscar evitar que a organização continue a atuar". Há dois meses, o governo suíço decidiu expandir a regra para organizações terroristas. No Japão, negociações sobre a pena foram introduzidas à lei em 2016 e serão permitidas a partir de 2018. Em todos os países, as colaborações premiadas, especialmente quando permitem a absolvição de quem cometeu a pena, sofrem severas críticas por várias razões. Entre elas, podem facilitar falsas acusações e ferem o princípio de igualdade e/ou a pena pode se tornar incalculável e não representar mais a culpa individual.’’ Sobre o domínio de fato: ‘’Quanto à teoria do domínio de fato, é interessante que a sentença nem mencione Claus Roxin. Na realidade, ela não é aplicável no caso. A teoria foi desenvolvida por Roxin e Friedrich-Christian Schroeder para os casos do holocausto. Em 1963, Roxin proferiu uma palestra, ‘Crimes no âmbito de aparatos de poder’ na qual concordou com Schroeder em seu livro de 1965, ‘O autor atrás do autor do crime’. Os dirigentes nazistas haviam planejado os crimes do holocausto, mas não os haviam executado pessoalmente. De acordo com a teoria de Roxin e Schroeder, não eram meros participantes, mas autores. O debate sobre esse tipo de caso tem sido extremamente intenso e produziu uma vasta literatura acadêmica. De qualquer modo, a teoria de Roxin não é aplicável aos casos em pauta, e foi aplicada erroneamente nos casos do Mensalão, *
As considerações fornecidas com exclusividade para Carta Maior sobre a sentença condenatória do juiz Sergio Moro, de Curitiba, no caso do ex-presidente Luis Inácio da Silva, são de autoria do advogado brasileiro Egas Moniz-Bandeira, 31, há seis anos integrante da equipe de um dos mais conceituados escritórios de Zurique, na Suíça, o Baumgarten Machler, apontado como uma das bancas de maior prestígio em Direito penal e Direito penal econômico. Egas se encontra licenciado temporariamente da firma, para se dedicar ao seu doutorado sobre História Chinesa, na Universidade de Heidelberg e na Universidade de Tohoku (Japão). Em Baumgarten Machler, Moniz-Bandeira faz parte do grupo de advogados da área de Direito civil e comercial embora o escritório seja mais conhecido pela sua atuação em Direito penal, nos casos de corrupção e lavagem de dinheiro.
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