A CAÇADA DE LULA PELO PROCESSO PENAL DE EXCEÇÃO NA ERA DA PÓSVERDADE Fernando Hideo I. Lacerda* Mais convicções, menos fatos. Marca dos nossos tempos, a “pós-verdade” – eleita palavra do ano de 2016 pelo Dicionário Oxford (140) – traduz as circunstâncias em que fatos objetivos têm menos relevância do que apelos a emoções e crenças pessoais. É somente no contexto desse Império da pós-verdade que a sentença que condenou o ex-presidente Luiz Inácio LulSa da Silva pode ser compreendida como o ápice da nova curva autoritária do processo penal de exceção próprio da década de 2010. Partimos de três premissas. Como premissa inicial, temos que o direito penal é um instrumento tirano de controle, manipulado por uma Polícia Militar que atua como força de ocupação territorial, por Polícias Judiciárias e Ministérios Públicos que investigam e processam seletivamente e por um Poder Judiciário que ignora as leis e a Constituição Federal para julgar de acordo com suas próprias convicções amparadas na opinião publicada pelos grandes meios de comunicação. Nesse sentido, basta olhar no retrovisor para perceber que a atribuição da condição de ser humano aos escravos ocorreu para que lhes pudesse ser imputada a prática de crimes. “Coisas” não cometem crimes, logo foi preciso transcender a condição de “coisa possuída por um senhor” para possibilitar a aplicação de sanções criminais. Assim é que “o primeiro ato humano do escravo é o crime, desde o atentado contra o seu senhor à fuga do cativeiro” (141). Pura e simples dominação, desde o início. A segunda premissa é que o sistema de justiça criminal orienta-se pelo interesse das elites. Nunca superamos a cultura da escravidão. Se antes identificávamos casa grande, senzala e capitães do mato como elementos sociais bem delineados, hoje devemos compreender a estrutura camuflada na qual convivem veladamente Estado de direito, Estado permanente de exceção e Polícia Militar. A casa grande enquanto reduto do senhorio deu origem à forma jurídica de um Estado pretensamente democrático de direito destinado à população incluída, onde direitos e garantias fundamentais são assegurados de acordo com a conveniência de um pensamento dominado pela elite econômica. Em situação diametralmente oposta, a senzala evoluiu para um Estado de exceção permanente destinado aos excluídos, onde vige a lógica do combate seletivo à
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Fernando Hideo Iochida Lacerda – Advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal da Escola Paulista de Direito, mestre e doutorando em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 140 “After much discussion, debate, and research, the Oxford Dictionaries Word of the Year 2016 is posttruth – an adjective defined as ‘relating to or denoting circumstances in which objective facts are less influential in shaping public opinion than appeals to emotion and personal belief’”. (https://en.oxforddictionaries.com/word-of-the-year/word-of-the-year-2016) 141 GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 3. ed. São Paulo: Ática, 1980, p. 62-63.
141 COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O PROCESO LULA