A DOSIMETRIA DA PENA APLICADA A LULA: ANÁLISE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO E DA CIÊNCIA PENAL MODERNA Jorge Bheron Rocha* Muitos são os princípios fundamentais que se referem às garantias do indivíduo na seara penal diante do jus puniendi estatal, a fim de promover a proteção da pessoa face ao poderio incontrastável do Estado – das kälteste aller kalten Ungeheuer224 - para a limitação à (e legitimação da) imposição da sanção penal. Dentre estes princípios que se relacionam à sanção penal, destacamos o da intransmissibilidade da pena e o da individualização da pena, sob cujas luzes das conceituações modernas, e eventuais consequências, será analisada a sentença em que o Juiz Sergio Fernando Moro impôs ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva pena privativa de liberdade de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses pela condenação nos crimes de corrupção passiva (art. 317, Código Penal – CP) e de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/98), especificamente no que se refere à incorreção da fixação da sanção, abstraindo-se das questões atinentes à ausência de materialidade e atipicidade dos delitos imputados, matéria, certamente, que será objeto de análise de outros artigos. A fixação da pena - ou dosimetria da pena - no Brasil adota um critério trifásico225, afastando o sistema de penas fixas implementadas pelo legislador ou a discricionariedade plena do julgador, promovendo, ao contrário, uma repartição de funções entre um e outro, na medida em que aquele elege patamares mínimos e máximos da pena e parâmetros de dosagem, e este determina a sanção no caso concreto a partir dos critérios legais226. Na sentença ora analisada, na primeira fase, o juiz entendeu por valorar negativamente as circunstâncias e consequências do crime e a culpabilidade do agente em relação à corrupção passiva e a culpabilidade em relação à lavagem de dinheiro, a nosso ver, de forma equivocada, pois feriu os Princípios da Intransmissibilidade da Responsabilidade Penal e da Individualização da Pena. O denominado Princípio da Intransmissibilidade ou Intranscendência da Pena é previsto textualmente na Constituição de 1988 no art. 5º, inciso XLV, que determina que
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Doutorando em Direito Constitucional (Unifor) e Mestre em Ciências Jurídico-Criminais (FDUC- Portugal). Professor de Direito e Processo Penal. Defensor Público. 224 NIETZSCHE, Friedrich. “Also sprach Zarathustra: Ein Buch für Alle und Keinen ” iBooks. Epub. Project Gutenberg, p. 97 225 A primeira fase da dosimetria analisa as circunstâncias judiciais estabelecidas no art. 59 (culpabilidade, conduta social, personalidade e antecedentes do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima) e estabelece a pena base. Na segunda fase são analisadas as circunstâncias agravantes e atenuantes a fim de encontrar a pena provisória ou intermediária. Por fim, a pena definitiva é alcançada na terceira fase com a análise de eventuais causas de aumento (majorantes) ou causa de diminuição (minorantes). 226 “Repartição de tarefas e dever de cooperação, jurídico-constitucionalmente vinculada, que existe entre o legislador e o julgador para a individualização e aplicação da pena”. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal português: as consequências jurídicas do crime. Coimbra: Coimbra Editora. 2005, p. 193. COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O PROCESO LULA 204