COMENTARIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O PROCESSO LULA

Page 232

O CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA NA VISÃO DO STF E A SENTENÇA QUE VIOLA O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Juarez Tavares* Ademar Borges** A interpretação correta do conteúdo do injusto penal do crime de corrupção passiva (art. 317, CP), apesar de consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do entendimento uníssono da doutrina jurídica, vem novamente à tona em face da recentíssima sentença que condenou o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva. Essa sentença poderia ser discutida, sob o prisma da sua legitimidade, a partir de inúmeras perspectivas dogmáticas: (i) o indisfarçável desprezo pela máxima segundo a qual a legitimidade da condenação penal, sob o aspecto probatório, depende de um convencimento judicial motivado – a partir da prova produzida pela acusação – da existência do fato criminoso para além de qualquer dúvida razoável (ou, na fórmula evocativa anglo-saxã, beyond a reasonable doubt); (ii) as múltiplas violações ao princípio acusatório decorrentes da reiterada violação ao art. 212 do CPP em razão da postura excessivamente ativa do juiz na produção da prova oral248; (iii) a escancarada afronta ao princípio do juiz natural decorrente da indevida ampliação da competência do magistrado prolator da sentença, tantas vezes denunciada pela doutrina249, entre tantas outras, muitas delas debatidas em outros brilhantes trabalhos reunidos na presente obra. A escolha do tema deste breve ensaio – a análise do alcance do delito de corrupção passiva no direito brasileiro – se deve, fundamentalmente, a três razões: (i) a compreensão acerca dos requisitos exigidos para a configuração do crime de corrupção passiva manifestada na sentença condenatória afronta claramente a orientação jurisprudencial do plenário do Supremo Tribunal Federal; (ii) o equívoco cometido pelo magistrado, por si só, afasta por completo a possibilidade de caracterização do crime de corrupção passiva no caso examinado; (iii) a inexistência do delito de corrupção passiva afastaria, por consequência, qualquer possibilidade de condenação pelo delito de lavagem de dinheiro, já que não haveria crime antecedente. O grave equívoco em que *

Professor Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Visitante na Universidade de Frankfurt am Main, na Universidade de Buenos Aires e na Universidade Pablo D’Olavide (Sevilha). Professor Honorário da Universidade de San Martín (Peru). Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Subprocurador-Geral da República aposentado. Advogado. ** Doutorando em Direito Público pela UERJ. Mestre em Direito Constitucional pela UFF. Procurador do Município de Belo Horizonte. Advogado. 248 A Lei n. 11.690, de 9 de junho de 2008, alterou a redação do art. 212 do Código de Processo Penal, passando-se a adotar o procedimento do Direito Norte-Americano, chamado cross-examination, no qual as testemunhas são questionadas diretamente pela parte que as arrolou, facultada à parte contrária, a seguir, sua inquirição (exame direto e cruzado), e ao juiz, os esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização. 249 A questão foi definitivamente solucionada pelo Professor Gustavo Badaró em excelente trabalho doutrinário: “A conexão no processo penal, segundo o princípio do juiz natural, e sua aplicação nos processos da Operação Lava Jato”, disponível em http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servico s_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/122.07.PDF.

COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O PROCESO LULA 232


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.