CAPTURA DA SOBERANIA POPULAR, ESTADO DE EXCEÇÃO E JURIDICINISMO Juliana Neuenschwander e Marcus Giraldes* No dia 12 de julho de 2017 o cidadão Luís Inácio Lula da Silva foi condenado à pena de nove anos e meio de prisão pela suposta prática de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Enquanto isso, as pesquisas eleitorais, divulgadas amplamente, apontam o político Lula, que foi duas vezes Presidente da República, como favorito ao pleito presidencial que deverá se realizar em 2018. A sentença proferida pelo juiz federal Sérgio Moro peca por inúmeros vícios processuais e materiais: incompetência do juízo, ausência de valor probatório das chamadas “delações premiadas”, o fato de Lula não ter nem o título de propriedade e nem a posse do famoso tríplex do Guarujá, de não existir nexo causal entre atos de ofício praticados por Lula enquanto Presidente da República e os contratos celebrados entre Petrobras e a empreiteira OAS. Finalmente, é absolutamente esdrúxula a condenação por lavagem de dinheiro sem que exista a indicação de qual dinheiro teria sido lavado. Por tudo isso, mas também porque não é consistente nem coerente, a decisão proferida contra Lula não é correta, não é reta, não é justa. Sobram-lhe curvas, tergiversações, desvios. Pode-se dizer mesmo que ela é circular e tautológica. Uma tautologia facilmente observável, por exemplo, na utilização de matérias de jornal como prova, o que apenas se justifica, na sua artificialidade, pelo fato da condenação de Lula ser desprovida de provas. É impactante o número de matérias veiculadas nos últimos anos em grandes jornais e revistas semanais que atacam diretamente o exPresidente, o número de capas de revistas que fazem associações extremamente negativas de sua imagem, a descarada manipulação midiática em torno de seu nome, sobretudo se contrastadas com a quase absoluta desconsideração de denúncias análogas, ou até piores, feitas a seus adversários políticos. Esse tipo de manipulação midiática, com tratamento artificial e deformado da informação, tem cumprido a função de (de)formar a opinião pública que, nos regimes que se descrevem como democracias, é o caldo no qual se produzem as decisões coletivamente vinculantes. Como tem sido verificado, essa função claramente político-manipulatória dos meios empresariais de comunicação de massa transborda dos processos ditos democráticos de escolha dos representantes políticos e passa a atuar e interferir mais diretamente no processamento de demandas dirigidas ao Judiciário. Quando isso acontece, o processo deixa de ser o percurso jurídico que pretende alcançar uma decisão minimamente correta ou justa, para ser o palco disfarçado de uma batalha que já não é mais jurídica, mas essencialmente política. Desde 2010, o jornal O Globo tem publicado reportagens referentes à suposta compra, pelo ex-presidente Lula, de um tríplex no balneário paulista Guarujá. Esse mesmo Jornal, e o grupo econômico do qual faz parte, apoiou desde o início a chamada Operação Lava Jato e a atuação espetaculosa do Juiz Sérgio Moro nos processos vinculados à 13a Vara Federal de Curitiba. Em março de 2015, início de grandes manifestações de massa midiaticamente convocadas contra o governo de Dilma Rousseff, o jornal O Globo entregou ao referido juiz o prêmio “Faz a Diferença”, outorgando-lhe o título de *
Professora Titular da UFRJ / Advogado e analista da FIOCRUZ.
249 COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O PROCESO LULA