SENTENÇA DE MORO É A PROVA DE QUE A LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA DEVE ACABAR Lenio Luiz Streck* Há mais de 20 anos denuncio o autoritarismo que representa a livre apreciação da prova ou o LC (livre convencimento), que são duas faces da mesma moeda. Denunciei isso diretamente no debate que travei com o juiz Sérgio Moro no IBCCRIM de 2015. Ele me respondeu que o livre convencimento era superior à prova tarifada. Disse-lhe: E daí? O livre convencimento é mais do que essa simplificação epistêmica. Ele é o corolário do subjetivismo. Do sujeito autoritário da modernidade. Da barbárie interior do sujeito. De todo modo, essa resposta de Moro segue a mesma linha da dogmática que hoje chora e protesta. Nunca se preocuparam com o livre convencimento, porque era motivado. Isso é de ingenuidade atroz. A dogmática jurídica ainda acredita em coisas como “primeiro decido (escolho se o réu é culpado ou inocente) e depois motivo”. Uma trampa epistêmica. Por isso, trato, aqui, de um equívoco de ordem filosófica, pois o livre convencimento é a melhor representação do PCS – O Privilégio Cognitivo do Sujeito (cognoscente). Ou o Privilégio Cognitivo do Sérgio (Moro). E isso vem ocorrendo de há muito, mas só depois da AP 470 (mensalão) é que os advogados se deram conta desse TEP – Tiro Epistêmico no Pé. Eu avisei. Em um dos meus recentes livros, o Hermenêutica e Jurisdição265, estruturado em formato de diálogos, deixo bem claro que estamos pagando caro por isso. Ninguém se preocupou em construir uma teoria para apreciação da prova. Temos mais critérios para avaliar o carnaval do que para avaliar uma prova penal. O Carnaval superou o Direito. Lá existem critérios, que variam de 1 a 10 (e tem décimos e centésimos). No Direito, o critério é: deixe que o juiz aprecie a prova da maneira que ele achar melhor ou até ele encontrar a “verdade real”. Como se sabe que a “verdade real” foi encontrada? Simples, o juiz é quem diz que a encontrou. Já que nós, juristas, gostamos muito de “ontologias”266, fico imaginando a verdade real como uma velhinha perdida - e com Alzheimer -, sentada no banco de uma praça. E quando ela é encontrada, imagino o oficial de justiça lhe dizendo: “precisamos que a senhora compareça perante ao juiz”. Pronto, encontramos a verdade real. Falemos sério: livre convencimento, verdade real e esses outros enunciados performativos são, em outras palavras, autorizações para que o juiz diga qualquer coisa sobre a (ausência de) prova. Aliás, sobre essa questão, tenho no prelo um artigo sobre o modo como o Direito Norte-Americano trabalha a questão dos critérios de valoração
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Ex-Procurador de Justiça-RS; Doutor e Pós-Doutor em Direito; Professor titular da Unisinos-RS e UnesaRJ; Advogado. 265 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e Jurisdição: Diálogos com Lenio Streck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017. 266 STRECK, Lenio Luiz. 30% das cirurgias jurídicas dão errado. O que há com os “médicos”? Consultor Jurídico, São Paulo. COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O PROCESO LULA 258