ESTADO DE DIREITO, CRISE POLÍTCA E OPERAÇÃO LAVA JATO Leonardo Avritzer* O Brasil no decorrer do seu forte processo de modernização e democratização ainda não conseguiu produzir um poder judiciário que se paute pelas estruturas de divisão de poderes e que seja ele próprio um garantidor de direitos, em especial dos direitos civis. Os elementos de forte distorção da tradição brasileira de constitucionalismo democrático estão relacionados aos traços não liberais ou de um liberalismo extremamente parcial que se manifestam, recorrentemente, nos nossos conflitos políticos desde o pós-guerra. Não conseguimos no Brasil, entre 1946 a 2017, estabelecer uma estrutura razoável de vigência de direitos civis, supostamente aqueles que seriam os fundamentais na estruturação da ordem liberal democrática.276 Entender os problemas para a construção de um ordem liberal e democrática no Brasil significa, antes de mais nada, entender o funcionamento dos elementos judiciais e civis no país. O processo de elaboração de constituições no país, entre 1946 a 1988, não foi capaz de realizar minimante este aggiornamento em relação à vigência de direitos e a violação de direitos se manifesta abertamente em todas as crises políticas. Nossa tradição liberal não foi capaz de alinhar o judiciário na estrutura de divisão de poderes, um problema que continua sem solução. A formação de magistrados e o funcionamento da justiça continuam se organizando de forma intraoligárquica e não sendo pautada pela garantia de direitos civis. Passamos, neste período de mais de 70 anos, por dois momentos diferenciados, ambos fortemente problemáticos no processo de formação de uma tradição de direitos que não propiciaram nem a supressão da violência nem a sua civilização (Elias, 1994) e submissão às regras do constitucionalismo liberal. O primeiro momento bem, descrito por Sérgio Buarque de Holanda em seu “Raízes do Brasil” é um momento de tangenciamento do constitucionalismo liberal (Veliz, 1980) e de construção de uma tradição de tolerância possível mas problemática. Problemática porque o Brasil não constitucionalizou limites para a ação do judiciário e dos órgãos policiais, ou quando constitucionalizou isso não os tornou efetivos no sentido da criação de uma tradição de garantias individuais. Esta tradição, quando existiu, se deu através de estruturas intraoligárquicas próprias ao poder judiciário. Assim, o desenvolvimento de um constitucionalismo liberal não se deu sob o pano de fundo de uma tradição sólida de direitos e garantias individuais, problema este que reaparecerá dramaticamente em diversas conjunturas, em especial na conjuntura 2013-2017 que se abre, não por acaso, com um episódio de forte repressão policial durante as manifestações de 2013. Em segundo lugar, o problema da tolerância política se desenvolve sob a égide de tradição de tolerância privada, tal como apontou Sérgio Buarque de Holanda na sua teoria do homem cordial, e assim o problema das garantias para o exercício da atividade política e da diversidade ficaram apenas parcialmente resolvidos. O Brasil vive sob a
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Cientista Político, Professor da UFMG Não estou com isso querendo dizer que há uma ordem inexorável de implantação de direitos, tal como supôs o sociólogo inglês T.H. Marshall ao relacionar cada u dos séculos a um direito, o XVIII aos civis, o XIX aos políticos e o XX aos sociais. Vide Marshall, 1962. Para uma crítica Giddens, 1990. 276
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