O CAPITÃO DO MATO E O POMBO-CORREIO Marcio Tenenbaum* Durante o período compreendido entre os séculos XVI a XIX, o escravismo era o modo de produção da economia brasileira. O imenso território descoberto pelos portugueses propiciava o cultivo, em larga escala, do açúcar, tão desejado pelos europeus, que o extraíam da beterraba. A “engenhosidade” da metrópole portuguesa para dar conta dessa produção foi a implantação da mão de obra escrava africana, que transformou nosso país em um dos maiores importadores dessa população. Nunca foi fácil manter a mão de obra escrava sob o jugo do senhor da Casa Grande e do Engenho, o que era obtido apenas através de constantes castigos físicos contra aqueles que insistiam em fugir na busca pelos Quilombos. Como reação à luta desesperada pela liberdade, foi preciso criar um aparato de busca e apreensão desses escravos fugitivos que ameaçavam o modo de produção vigente. Nascia o Capitão do Mato. De tempos em tempos, as diferentes elites brasileiras criam os seus Capitães do Mato, especialmente quando a excluída maioria do povo emite algum sinal de que pretende sair daquele que é considerado o seu devido lugar. Com esse propósito, nossas elites não costumam sujar as próprias mãos, habituando-se à prática da terceirização ou da contratação de “laranjas”, para usarmos dois termos em voga nos dias atuais. O fim da escravidão e o nascimento da República não significaram uma grande emancipação na vida das massas excluídas, nem mesmo para aqueles que engrossaram as fileiras do recém criado Exército Brasileiro e participaram da Guerra do Paraguai. Quando retornaram ao país encontraram uma nova modalidade de habitação na capital do Império: a favela. A história do desenvolvimento econômico brasileiro é a história da exclusão. Aqui, a construção do país sempre buscou contemplar apenas uma ínfima camada da população: no passado, os Senhores de Engenhos; no presente – pelo menos até a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores em 2003 – os capitães da indústria e do sistema bancário. Para assegurar os privilégios, durante a República Velha, a polícia era encarregada de resolver os conflitos sociais, o que não mudou muito ao longo do Estado Novo, que produziu Filinto Muller, o famoso chefe da Polícia Política do Distrito Federal, responsável direto pela deportação de Olga Benário para a Alemanha nazista. Na ditadura militar, foi a vez das Forças Armadas assegurarem um país para poucos. Será que na vigência da Constituição de 1988 as elites brasileiras buscam no Poder Judiciário o Capitão do Mato do passado? Estará o Poder Judiciário aceitando a tarefa de trazer de volta ao seu lugar o escravo que sonhou com a liberdade? Se Lula representa o sonho de Zumbi dos Palmares e de tantos outros que acreditaram na possibilidade da emancipação do povo brasileiro, a inconsistente sentença condenatória recebida pelo ex-Presidente não representa, em alguma medida, o sinal de que esse país está reservado para poucos? Apesar de serem provenientes das camadas populares, os Capitães do Mato foram retratados por Rugendas montados em belos cavalos. Muitos dos integrantes do sistema *
Advogado.
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