VIOLÊNCIA E ESPETÁCULO NA DECISÃO CONTRA O PRESIDENTE LULA Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega* Introdução A condenação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva por um juiz de primeira instância em processo criminal sem o necessário, devido e adequado fundamento jurídico expresso no texto da sentença, inexistindo crime, além da flagrante ilicitude é manifestação do profundo estado de violência enfrentado pelo Brasil, nos tempos atuais, com a retração de direitos e a consequente espetacularização dos reconhecimentos públicos. Violência que afronta os cidadãos (primeiramente Lula, um cidadão com direito de acesso à justiça, e aos muitos outros brasileiros), contra o povo brasileiro, contra as instituições, contra o Estado, contra a Constituição da República, contra a democracia. Isso é aqui analisado na perspectiva teórica da sociedade do espetáculo, originariamente elaborada por Guy Debord e nas ideias posteriores de Francisco Bosco (2017), associada às reflexões sobre violência e suas fontes passionais, trazidas pelo pensador brasileiro Adauto Novaes (2017) e outros eruditos cujos aportes contribuíram com o seu debate. O contexto e a decisão Há no Brasil um violento processo de desmantelamento democrático e consequente espetacularização da vida pública protagonizado por parte da mídia, por agentes de mercado e por instituições cujo dever é, paradoxalmente, a defesa das instituições democráticas. Acrescente-se a isso a ausência absoluta do debate sobre as responsabilidades dos sujeitos políticos, notadamente a responsabilidade dos órgãos de prestação jurisdicional e sobre o afastamento da ética da obediência, pressuposto do sentido primeiro da democracia. O desmantelamento democrático é exposto diariamente na mídia, que constrói e pereniza o espetáculo e que blinda os atores políticos por meio da construção de personagens ideais, conformando uma opinião pública acrítica. Neste processo histórico, marcado por ações e respostas antidemocráticas judiciais e administrativos contextualiza-se a condenação de Lula. Assim, numa decisão proferida em um texto longo e confuso, o juiz se descura da objetividade da decisão e desvia o olhar do jurisdicionado, do leitor, do cidadão, para outras investigações, construindo um cenário acusatório espetacular para proferir uma decisão sem provas, sem fundamento de direito. O juiz, nesse agir, revela antes de tudo a espetacularização da vida pública e o uso da jurisdição como instrumento de violência contra o jurisdicionado, contra a ordem constitucional. A Retração dos direitos e o espetáculo
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Professora Titular na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás e Universidade de Ribeirão Preto.
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