“QUID PRO QUO” SEM “QUID” BREVE ANÁLISE DE UMA SENTENÇA “SUI GENERIS” Mauricio Stegemann Dieter* Jacson Zilio** 1.
Introdução
Diante de escândalos do mundo jurídico a regra, hoje, é chegar tarde: a velocidade na qual circulam as comunicações impede maiores reflexões e exige dos teóricos posições, com sorte, prêt-à-porter. Não foi diferente no caso da sentença mais esperada e previsível do ano. Várias opiniões, todas apressadas e mais ou menos corretas, já foram expostas nos diferentes meios de comunicação, de massa ou alternativos.346 Seguindo a polarização e avidez que marcam a atual cena política, a essa hora tanto defensores quanto detratores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já estão devidamente abastecidos de munição para o enaltecimento ou descrédito da decisão assinada pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, um pouco antes das duas da tarde da quarta-feira, 12 de julho de 2017. Agora, ânimos um pouco menos acirrados, a proposta é passar aspectos da controversa decisão pelo pente fino de uma análise jurídico-penal, de natureza essencialmente técnica, tentando resgatar alguma objetividade para uma discussão qualificada. Objetivo, entretanto, que não se realiza sem assumir posição, pois difícil ignorar que essa sentença também coloca em jogo, sem qualquer exagero, o futuro do país, notadamente quando se projetam, no horizonte, sombras verdadeiramente autoritárias, oriundas da noite obscurantista de um passado ditatorial recente. 2.
O tamanho importa
Antes de enfrentar o mérito, contudo, do ponto de vista meramente quantitativo, é preciso reconhecer que se trata de uma peça incomum por sua extensão; com 216 páginas e 962 parágrafos, contrasta com a absoluta maioria das decisões judiciais que, Brasil à fora, absolvem ou condenam centenas de pessoas diuturnamente. Uma conhecida estimativa, de base oficial, revela que 89% das condenações que mandam homens à prisão referem-se a apenas oito crimes, a maior parte deles (51%) praticados sem violência ou grave ameaça.347 Essas decisões coloquiais, como podem atestar os defensores públicos, frequentemente não passam de 15 folhas, são recheadas
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Professor de Criminologia e Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. PósDoutor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Doutor pela Universidade Federal do Paraná. ** Professor de Criminologia e Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Doutor pela Universidade Pablo de Olavide (Sevilha/Espanha). 346 No equilíbrio possível entre imediaticidade e qualidade, poucas opiniões se destacaram tanto quanto a do competente e conhecido criminalista Nelio MACHADO (“Críticas à defesa do ex-presidente Lula mostram parcialidade de Moro”, disponível em http://www.conjur.com.br/2017-jul-12/nelio-machadosentenca-lula-mostra-parcialidade-moro). 347 Especialmente meras subtrações e o comércio de substâncias que o Estado diz que você não pode consumir. Ver os dados consolidados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), de dezembro de 2014, publicação oficial do Ministério da Justiça. COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O PROCESO LULA 336