ENTRE FATOS E CONVICÇÕES: ANÁLISE DA SENTENÇA DO JUIZ SÉRGIO MORO QUE CONDENA O EX-PRESIDENTE LULA Alexandre Araújo Costa* Uma análise cuidadosa dos argumentos utilizados pelo juiz Sérgio Moro para condenar penalmente o ex-presidente Lula evidencia que se trata de uma decisão inconsistente. Não avaliarei a sentença de Moro a partir de suas potenciais motivações nem implicações políticas, mas do ponto de vista de sua consistência argumentativa. Minha conclusão é a de que, independentemente do juízo que tenhamos acerca dos atos praticados pelo ex-presidente, a sentença condenatória deve ser anulada por sua própria fragilidade argumentativa, tendo em vista que os fatos apresentados na decisão não justificam a narrativa de Sérgio Moro de que Lula teria recebido da OAS a “propriedade de fato” do famoso triplex em função do cargo de Presidente da República. Embora a conclusão da sentença seja infundada, devemos reconhecer que a decisão de Sérgio Moro tem algumas virtudes que merecem ser destacadas: a descrição dos fatos é bem feita e os argumentos são devidamente explanados. Existe uma clareza na exposição que tem muito mérito, evidenciando que o juiz quis tornar a sentença compreensível para cidadãos comuns que se dedicassem a ler sua longa em minuciosa decisão. Também cabe ressaltar que Sérgio Moro aponta com precisão a fragilidade dos argumentos utilizados pela defesa, cuja inconsistência sugere que o devido esclarecimento dos fatos seria muito indigesto para as pretensões políticas do expresidente. Todavia, precisamos ter em vista que os réus de processos criminais não são obrigados a comprovar sua inocência. Embora as narrativas do próprio Lula não consigam explicar adequadamente os fatos evidenciados nas investigações, a acusação é que tinha o ônus de comprovar a ocorrência e a autoria dos crimes imputados ao expresidente. A condenação penal exige que o juiz esclareça a versão dos fatos que ele entendeu comprovada pela instrução probatória e é nesse ponto que a sentença de Moro se mostra mais frágil: a narrativa que ele constrói não está devidamente baseada nos fatos e nos depoimentos que ele indica e, portanto, existe uma incompatibilidade entre as provas e a condenação. As provas indicam que Lula obteve benefícios da OAS que ele não quer admitir isso? Sim. A OAS fez uma reforma em benefício dele? Fez. Esse tipo de recebimento causa danos à sua imagem? Causa. Ele mentiu negando tudo isso? Sim. É lícito que réus mintam em seu próprio benefício? Sim, mas essa mentira pode ter impactos políticos relevantes. Mas a pergunta central é: há comprovação de recebimento de vantagem indevida em função do cargo de Presidente da República? E penso que aqui a resposta é negativa. É verdade que a sentença indica uma série de fatos que podem ter constituído crime de corrupção. Considero suficientemente comprovado o fato de que a OAS manteve fora do comércio o famoso triplex entre 2009 e 2010, o que indica que o apartamento estava sendo reservado para Lula no exercício da presidência da República. Além disso, há comprovação de que a OAS promoveu reformas no apartamento em 2014, sem que *
Doutor em Direito, Professor da UnB. COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O PROCESO LULA 34