A SENTENÇA DE LULA COMO MEDIDA DE EXCEÇÃO Pedro Estevam Serrano* A condenação do ex-presidente Lula a nove anos e meio de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro é, creio que não a última, mas mais uma pá de cal a sepultar o Estado Democrático de Direito, confirmando a recorrência de medidas de exceção na nossa combalida democracia. Obtida a partir daquilo que o advogado criminal Fernando Hideo chama de “processo penal de exceção” - ou seja, um processo com aparência de processo judicial, que cumpre ritos e supostamente observa a garantia constitucional à ampla defesa, quando, na verdade, é apenas um teatro, cujo final já está predeterminado no script - a sentença, se confirmada, pode trazer enormes prejuízos não apenas a Lula, mas a toda a sociedade brasileira. É bastante evidente que o juiz Sergio Moro admitiu a defesa como um mero simulacro, uma maquiagem. Os argumentos e as provas apresentados pela defesa, assim como os depoimentos em favor do réu, nunca chegaram a ser considerados com o peso devido. A própria manutenção de Moro à frente do processo, quando a suspeita de parcialidade contra Lula era praticamente explícita, foi de uma inconveniência absoluta. Mas, dentre as muitas arbitrariedades que macularam o processo até o momento, a condenação baseada em interpretações subjetivas e idealistas é a que causa maior constrangimento, além da certeza de que as liberdades públicas e os direitos fundamentais da liberdade, os chamados direitos negativos, estão ameaçados. Vamos a alguns aspectos da sentença. Moro condenou Lula por corrupção passiva, sem entretanto, conseguir imputar-lhe um único ato de ofício específico, ou comando para sua produção ou omissão concreta e específica, ou ainda promessa de sua prática, que configure tal crime. Na ausência de comprovação de que o ex-presidente tivesse recebido vantagens indevidas (o apartamento triplex no Guarujá e a reforma do mesmo) como contrapartida por ter favorecido a empreiteira OAS em negociações com a Petrobras, Moro afirmou que o pagamento foi feito “em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam”. Além de meramente especulativo, o fundamento foge totalmente dos limites postos na acusação, tratando-se, portanto, de imputação sem a qual tenha havido direito a defesa Condenar quem quer que seja por um crime de corrupção genérico, “indeterminado”, interpretado a partir de ilações e abstrações é, no mínimo, incivilizado. O processo penal precisa lidar com fatos, provas, e não com suposições. Supõe-se que Lula era o comandante de uma organização, mas não há provas de que ele tenha dado uma ordem específica ilegal. Não há um ato de corrupção que demonstre sua participação na cadeia de comando daquele ato específico, nem tampouco a demonstração de que tenha prometido um ato específico para qualquer agente. Para efeito de comparação, na decisão envolvendo o ex-presidente Fernando Collor,
*
Professor de Direito Constitucional da PUC/SP.
COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O PROCESO LULA 366