LULA, POLÍTICA E CORRUPÇÃO: AS MAZELAS DA TÉCNICA Rafael Thomaz Favetti* Fabiano Silva dos Santos** A Sentença que condenou o ex-Presidente Lula deve entrar para os anais do processo penal brasileiro. Há que se estudá-la e replicá-la. É um case de sucesso sobre os perigos do processo calcado em premissas proto-hipotéticas, o argumento desenvolvido ao longo das duas centenas de páginas serve para se oferecer uma lógica paraconsistente ao intuito original: a necessidade primordial de condenação, a fim de se legitimar todo um processo multifacetado. Tarefa dura construir uma sentença dessas. Requer inteligência ímpar, rigidez procedimental e muito foco. Requer a consubstanciação do juiz Hércules de Dworkin e muita praticidade organizacional. Não se nega, ao contrário, as qualidades conhecidas tanto dos denunciantes quanto do julgador: são verdadeiros empreendedores num universo judicial ainda conecto a práticas e posturas arcaicas, no qual o rococó é a estética dominante. Tudo isso é de se aplaudir. Entretanto, quando se trata de direito penal, há que se olhar ao caso cum granus salis. Mais especificamente o processo penal exige uma construção baseada em provas, fatos e premissas válidas. Aliás, em “A Verdade e as Formas Jurídicas”, Foucault nos conduz a entender que a evolução de como se analisar as provas é a medida da civilidade de uma era, de um povo, de um sistema. Esse caminho civilizatório evolutivo das provas de Foucault tem, no Brasil, uma certa construção coordenada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Meio como Dworkin prega, há uma sequência evolutiva sobre provas na jurisprudência de nossa Suprema Corte. A observação dessa jurisprudência, a observação desses capítulos jurisprudenciais que formam o livro do processo penal, esse respeito a esse parâmetro normativo, chamamos, para resumir, de técnica. Então temos a seguinte possibilidade ao se analisar uma sentença: de um lado, uma sentença absolutamente empreendedora, inovadora no plano processual penal em especial quanto a valoração das provas, e nisto sua qualidade; por outro, a disparidade com a norma processual penal vigente, lapidada pela jurisprudência do Supremo. Não há como negar que ao se perseguir criminalmente a maior figura política brasileira das últimas décadas, deve se ter alguns cuidados subjetivos na persecução penal. Isso, sem nenhum receio de cair em demagogias como “todos são iguais perante a lei”, devese ao fato de que as paixões políticas podem se tornar a mola propulsora da perseguição, transformando o legítimo em ilegítimo. É exatamente para evitar que as paixões se sobressaiam à Razão que existe o Estado, como disse Locke. Hegel também navega nesses mares de legitimidade ao Estado, *
Advogado, Mestre em Ciência Política, Conselheiro da OAB-DF. Foi assessor de Ministro no Supremo Tribunal Federal, Consultor Jurídico e Secretário-Executivo do Ministério da Justiça. Foi também Presidente do Comitê Nacional para Refugiados e do Conselho Nacional de Combate à Pirataria. ** Advogado, Mestre em Direito Político e Econômico, Doutorando em Direito pela PUC/SP.
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