O DEVIDO PROCESSO ENTRE A JUSTIÇA E A POLÍTICA Roberto de Figueiredo Caldas* Este breve artigo tem como objetivo apresentar, de maneira singela e linguagem acessível, algumas razões pelas quais boa parte da comunidade jurídica nacional e internacional recebeu com apreensão o teor da sentença penal condenatória proferida contra o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em julho de 2017. Enfocarei minha apreciação na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sob o prisma do devido processo. O devido processo legal (due process of law) advém do sistema jurídico anglo-saxão e espraiou-se para outros sistemas, como o nosso, de origem romano-germânica. Contemporaneamente utiliza-se cada vez mais o termo simplificado “devido processo”, sem o adjetivo “legal”, porque o instituto passou a ter assento não apenas na lei, mas também nas constituições nacionais e nas convenções internacionais, especialmente nas de direitos humanos. O devido processo é um princípio jurídico fundamental reconhecido como direito humano. Trata-se de um conjunto de garantias judiciais ou administrativas mínimas, de caráter processual como o direito a juiz ou tribunal “competente, independente e imparcial” (art. 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – CADH), a processo simples e rápido (arts. 25.1 da CADH) e, a ampla defesa, entre outras, além de garantias substanciais contra a violação de seus direitos fundamentais, “mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais” (art. 25.1 da CADH), inclusive judiciais como o conteúdo das sentenças, que devem ser razoáveis e proporcionais. De tão importante, o devido processo é um dos temas mais frequentemente enfrentados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Exatamente por isso, ao longo do tempo e ao compulsar dos subsequentes casos contenciosos e até de alguns pareceres (“opiniones consultivas”), a Corte vem construindo um respeitável acervo de precedentes vinculantes, de transcendência jurídica para o Continente Americano relativo ao devido processo. Quando se investigam e processam crimes, quaisquer crimes, tais postulados mínimos do devido processo devem ser sempre inflexivelmente respeitados. O devido processo é a parte exata da Ciência Jurídica, quanto ao qual não pode haver invencionice. Isso para o bem e proteção de toda e qualquer pessoa ante o Judiciário, para o bem do estado de direito, da democracia e dos direitos humanos. Ainda que se considerem, por exemplo, os mais graves crimes contra direitos humanos ou crimes de lesa-humanidade, nem assim se pode afastar a aplicação rigorosa do devido processo. O crime de corrupção e afins são muito graves também, embora universalmente não cheguem a ser classificados como de lesa-humanidade. Em vários países do mundo, *
Juiz e Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ex-membro da Comissão de Ética Pública da Presidência da República e ex-conselheiro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção.
397 COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O PROCESO LULA