INADEQUADA É A CONDUTA DO JUIZ Roberto Tardelli* Sentar-me ao lado de colegas tão ilustres me trouxe uma preocupação, não a de superálos ou a de igualar-me a eles, algo impossível, mas a de não decepcioná-los muito profundamente. Não me sinto processualista que possa ombrear com quem colaciona distinções acadêmicas. Minha escola foi da vida e meu giz foi pedra recolhida. Por trinta anos, trinta anos e alguma coisa, pude conviver dentro de uma Instituição – Ministério Público de São Paulo – que foi perdendo, ao longo das décadas, uma identidade que, de resto, jamais, conseguiu construir. Nos anos 80, quando saíamos do regime militar, estávamos todos fartos de ditaduras, controles, censuras, medos. Nunca deixarei de me lembrar, eu menino ou jovenzinho ainda, de pais de amigos, que, depois de passarem tempos presos (algo que as famílias nos ocultavam, envergonhadas), voltavam para casa, alguns sequelados pelo tratamento desumano recebido. Guardo muito a memória de um deles, que preservarei, por razões óbvias; via-o taciturno, sentado numa cadeira na sala de sua casa, enquanto jogávamos bola na rua. Quando estávamos anônimos no histórico comício das DIRETAS JÁ, aqui na vertigem do Anhangabaú, um oceano de gente se emocionava diante de palanque que abrigava uma frente improvável de políticos. Naquele dia, em que Sócrates marcou o maior gol de sua vida, sentíamos ser cada qual um pouco o pedreiro assentadores dos tijolos de uma democracia, que rugia acorrentada. Rugiu tanto e tão forte, gritou de dor e de desalento, gritou clamando por mães, esposas, pais, maridos, filhos, gritou de dentro de cadeias, que somente fomos abrir muito recentemente, nas Comissões da Verdade. Chorávamos emocionados de ver que, sim, era possível a um povo indignar-se e escrever sua História, que parecia começar ali. Naqueles dias, o Brasil ficava no Brasil. O Brazil – dizia o samba de João Bosco e Aldyr Blanc – estava matando o Brasil, algo que, sim, conseguiria fazer num futuro próximo. Coisas quase incompreensíveis nos vinham do exterior, que significavam civilidade e progresso, cidadania e humanismo e traziam para nós experiências democráticas que nos encantavam. De todas, trazida do Direito Nórdico, uma delas nos punha em enleios: o ombudsman. O Defensor do Povo. Aquele um que, pago pelo Estado, brigava contra o Estado, o Leviatã. Era ele quem poria freios, em favor do povo, da sociedade e de seus interesses indisponíveis. Havia já um sentido mundial na proteção do meio ambiente, na proteção de direitos de uma titularidade que nos confundia (ainda nos confunde); os índios do cinema perdiam aquele ranço facinoroso e ganhavam uma aura ecológica que a que jamais tiveram direito. Os lados mudavam rapidamente e, a coroar aquela década economicamente perdida e politicamente esplendorosa, a Constituição de 1988 elegia seu Defensor do Povo, trazido nos braços do legislador constituinte originário: o Ministério Público, criando-se no Brasil uma nova fronteira de proteção de direitos, a partir do mais sublime e eloquente deles, posto a ser pilar da república reconstruída, a *
Advogado.
403 COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O PROCESO LULA