FOGUEIRAS DE JULHO* Rosa Cardoso da Cunha** Julho esteve sempre associado às tardias fogueiras das festas de São João. Agora veremos nele o ódio flamejante da sentença que queimou em praça pública a liberdade e os bens do ex-presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva. As faíscas deste ódio antecipam um incêndio, cujo alastramento é imprevisível, em especial, na polarização das redes sociais. No dia 12 deste mês o juiz Sérgio Moro condenou o líder popular mais amado na história do país, Luiz Inácio Lula da Silva, à privação de liberdade por 9 anos e 6 meses de reclusão, pesada multa, obrigação de reparar o dano com valores muito elevados e restrição de direitos políticos. Seis dias depois a punição prosseguiu com o bloqueio de R$ 606 mil em suas contas bancárias, sequestro de 4 imóveis e confisco de 2 carros. No dia seguinte foram sequestrados 9 milhões em seus planos de previdência privada. A sentença do juiz Moro contraria concepções técnicas dominantes a respeito dos crimes invocados e da prova em que se fundamenta. Para os “leigos” ela é contraintuitiva, isto é, suas conclusões violam o entendimento comum dos fatos. A sentença também consolida um movimento dirigido à construção de um “direito penal da lavajato”, o qual já se encontra avançado no campo do direito processual. Destacam-se neste campo a ampliação da competência da vara presidida pelo juiz Sérgio Moro - a 13ª vara criminal da justiça federal de Curitiba- relativamente ao processo e julgamento de casos polemicamente conexos àquela ação penal, considerada fundante da cadeia de processos que constitui a justiça local (a ação penal fundante baseava-se em operação de lavagem de dinheiro, que se consumou em Londrina/PR, foi distribuída ao juiz Sérgio Moro e tornou desde então sua vara preventa para casos sob sua decisão). Situam-se ainda no campo mencionado a expansão das forças-tarefa de procuradores e da polícia federal, que vinham atuando em Curitiba, a criação de “novos paradigmas” processuais para a imposição de medidas cautelares (conduções coercitivas, prisões temporárias, prisões preventivas) e o estímulo à delação premiada, mediante o uso de prisão e da ameaça de penas longas. A condenação imposta pelo juiz Moro a Lula da Silva faz avançar, entretanto, a perspectiva de construção do direito penal material da lavajato, que se refere à definição e aplicação dos crimes e das penas. Esta condenação flexibiliza o conceito primordial do direito penal material, no plano da lei e da constituição, que é o do “tipo penal”. O direito penal da lavajato torna irrelevante o significado do tipo penal, invalidando, consequentemente, o princípio da legalidade e seus corolários. A desqualificação do tipo penal para a identificação de um crime, dada a sua função de garantia do cidadão contra o arbítrio das autoridades, e a circunstância de ele conter a objetiva descrição do malfeito proibido pela lei (o mala prohibita) equivale a opção pelo não uso do direito penal vigente, ou seja, à sua negação. Foi o que aconteceu.
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Advogada.
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