“DELATOR INFORMAL”: O CASO LÉO PINHEIRO E O VALE TUDO PARA CONDENAR LULA Tania Oliveira* Adotando novos mecanismos de prevenção e repressão à criminalidade organizada, a legislação processual penal brasileira aderiu à figura da delação premiada, cuja criação tem como finalidade principal a facilitação das investigações do fato delitivo em toda a sua complexidade. Embora apareça em vários diplomas, a delação premiada é efetivamente delineada na Lei nº 12.850/2013, chamada de Lei das Organizações Criminosas470. Do ponto de vista teórico, o legislador brasileiro pretendeu se utilizar da delação como meio de prova para qualquer espécie de crime, fato que suscita debates no meio jurídico e coloca em questão toda a essência do Estado Democrático de Direito. Isso porque o Estado transfere o ônus de apurar o cometimento de crimes para a palavra de quem os comete, oferecendo como contrapartida uma benesse punitiva. Ocorre que, no momento em que foi dado ao Estado o monopólio da persecutio criminis urge que se municie para obter êxito em tal tarefa. Seu fracasso não pode, em qualquer hipótese e sob qualquer pretexto, ser compensado com barganhas para a suposta elucidação de crimes. Com a deflagração da chamada “Operação Lava Jato” da Polícia Federal, em março de 2014, os acordos de delação vieram para o centro dos debates. Desde então, o processo penal desse caso parece ter se transmutado em verdadeiro jogo de cartas, em que não se sabe onde termina a busca pela verdade, pela responsabilidade da prática dos delitos e definição de condutas, e onde residem os “blefes” dos delatores. O frenesi acusatório transformou a investigação em verdadeiro espetáculo de mídia, com vazamentos seletivos de depoimentos sigilosos, sem que se saiba de sua veracidade, limites ou recortes. O sigilo dos acordos de delação transformou-se em uma armadilha, em que pessoas são “notificadas” de sua suposta citação em depoimento pela imprensa, não podendo defender-se diante do desconhecimento do teor das “acusações”. Por outro lado, a acusados oficialmente é negado acesso aos conteúdos de que é detentora a acusação, em violação evidente ao direito de ampla defesa e ao contraditório. Do ponto de vista processual penal sabe-se que a delação premiada não tem valor de prova isoladamente. É um caminho investigativo que requer elementos objetivos. O afirmado pelo delator pode, ou não, ser algo real ou verdadeiro. É indispensável que ele indique onde estão as provas, sem o que a mera declaração dele não tem validade jurídica. A questão, tal como se mostra no caso da Operação Lava Jato, está em decifrar o que pode ser versão, e como tratar o que não se conclui como veracidade. Quando se
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Mestre em Direito, Assessora Jurídica do Senado. Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/2013/lei/l12850.htm 470
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