QUANDO O DEVIDO PROCESSO LEGAL NÃO É SEGUIDO, A DEMOCRACIA PERDE Álvaro de Azevedo Gonzaga* A criação de leis aplicáveis a todas pessoas é um dos principais elementos que caracterizaram a passagem do poder absoluto, centrado na figura de um monarca, para uma sociedade que se pretenda igualitária. Em linhas bem gerais e rápidas, estamos falando da consolidação da ideia de normas e princípios vinculantes para todos. Se desvios acontecem, todos devem ser julgados de acordo com tais normas e princípios universalmente aplicáveis. Pois bem. O mundo das ideias é um. O mundo da realidade é outro. Infelizmente, muitas vezes, o segundo não passa de uma caricatura mal acabada do primeiro. Falamos aqui do caso envolvendo o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o juiz federal Sérgio Moro e o Ministério Público Federal. A relação entre esses três elementos ganhou contornos, narrativas e episódios que, em muito, ultrapassaram o campo ao qual deveriam limitar-se: o devido processo legal. A preocupação com a existência das leis - tão caras para a nossa sociedade - tornou-se secundária. Não há busca pela “verdade dos fatos”, que seria alcançada através e graças a aplicação e observação do processo legal. Temos, ao contrário, uma verdade que precisa ser provada, mesmo que, para tanto, a lei seja deixada de lado. Talvez, por uma questão de perspectiva, ou preconceito do nosso tempo, vemos como absurdo e sem sentido o excessivo poder e autoridade que os monarcas tinham no passado. Qual o sentido de nações, países, milhares de pessoas terem obedecido cegamente a uma só pessoa que se colocava como superior a todas elas? Bem. É essa a imagem que temos hoje. Contudo, um olhar menos prepotente do presente levaria em conta que o poder dos reis tinha como fonte a legitimação de questões de ordem divina, histórico-familiar, tradição e identidade, elementos essenciais naqueles tempos. Fatores tão fortes, de tanta relevância, que para aqueles povos justificavam e fundamentavam todo o poder concentrado na figura dos monarcas. Era daí que provinha o bem-estar da nação. Por óbvio, não eram tempos melhores. Mas a organização social tinha esses elementos que lhe davam coesão. Nos dias de hoje, tal coesão deveria ter como fundamento a Constituição e demais dispositivos dela decorrentes. É da observação e do cumprimento desse acordo que esperamos obter o bem comum. *
Livre Docente em Filosofia do Direito pela PUC/SP. Pós-Doutorados na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa e na Universidade de Coimbra. Doutor, Mestre e graduado em Direito pela PUC/SP. Graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo – USP. Professor concursado da Faculdade de Direito da PUC/SP, tanto na Graduação como na Pós-Graduação Stricto Sensu. Professor e coordenador da OAB no Curso Fórum. Membro do Instituto Euro-Americano de Derecho Constitucional, na Condição de Membro Internacional. Ex-presidente do Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão em Políticas Públicas e Sociais. Coordenador, autor e coautor de inúmeras obras e artigos. Advogado.
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