DO LEVANTAMENTO DO SIGILO DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS À PERDA DA IMPARCIALIDADE OBJETIVA Antônio Eduardo Ramires Santoro* Agradeço desde já o convite formulado por Carol Proner, Gisele Cittadino, João Ricardo Dornelles e Juarez Tavares, o qual deixei por último para dedicar uma especial reverência pelo exemplo intelectual que ele significa para mim. Dado o curto espaço para traçar as considerações que aqui serão lançadas, far-se-á objetivamente uma análise do trecho da sentença condenatória proferida pelo juiz Sérgio Moro nos autos da ação penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR que afasta a alegação de violação da imparcialidade com base no trecho em que o magistrado sentenciante tratou da quebra de sigilo das comunicações telefônicas. Com efeito, as defesas dos acusados questionaram a imparcialidade do julgador em alegações finais, tendo o juiz Sérgio Moro afastado o argumento por considerá-lo “diversionismo” (termo, pelo que se verifica, muito caro ao magistrado27), fundamentando-se nas decisões proferidas pelo Tribunal que rejeitaram as exceções de suspeição. A defesa de Lula fundamenta sua pretensão, entre outros argumentos, nos diversos atos praticados pelo juiz Sergio Moro durante a investigação, a saber: condução coercitiva, interceptação telefônica, busca e apreensão. Portanto, definindo com clareza o problema que aqui será tratado: diante da decisão que divulgou as conversas travadas entre Lula e Dilma, interceptadas por ordem do juízo sentenciante, e da nova abordagem do fato na sentença, foi respeitado o direito a ser julgado por um juiz imparcial? 1. O levantamento do sigilo das conversas havidas entre Lula e Dilma No dia 16 de março o Brasil foi surpreendido com a divulgação pública e massivamente repetidas pela imprensa, de conversas realizadas entre Lula e diversas pessoas, em especial seu diálogo com a então Presidente Dilma Rousseff, originados de uma medida de interceptação das comunicações telefônicas realizados no âmbito da Operação
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Professor Titular do IBMEC/RJ; Professor Adjunto de Direito Processual Penal da FND/UFRJ; Professor Adjunto do PPGD/UCP; Pós-Doutor pela Universidad Nacional de La Matanza – Argentina; Doutor e Mestre pela UFRJ; Mestre pela Universidad de Granada – Espanha; Coordenador do Grupo de Pesquisa “O sistema penal sob olhar crítico” UFRJ/UCP; Advogado. 27 De se observar que “diversionismo” significa basicamente uma estratégia para tentar escapar do assunto. Não por acaso a palavra foi usada por quatro vezes para afastar preliminares diversas. Isso revela um desapreço pelas garantias processuais. Quiçá a palavra tenha sido lançada pelo seu inconsciente (LACAN, 1999, p. 488) para reduzir a dissonância entre o assunto que interessa ao julgador (o mérito ou a condenação) e os obstáculos que as garantias processuais representam ao seu desiderato diante do apoio em massa que a crença do julgador recebe (FESTINGER, 1975, p. 214 e ss). Tal possibilidade se verifica quando no item 65, ao tratar da arguição de quebra da imparcialidade, afirma: “Mais uma vez, repita-se, trata-se de mero diversionismo adotado como estratégia de defesa. Ao invés de discutir-se o mérito das acusações, reclama-se do juiz e igualmente dos responsáveis pela Acusação.” Sabe-se que ser julgado por um juiz imparcial é um direito fundamental, portanto, arguir sua violação não é uma reclamação, tampouco diversionismo, mas respeito a um processo de garantias.
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