O JUIZ, O COLABORADOR E AS LACUNAS DA NARRATIVA CONDENATÓRIA Beatriz Vargas Ramos* Quem conhece a ação penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR? Esse é o registro oficial, discreto e desinteressante, do processo que nasceu com estardalhaço e power point da “força tarefa” de Curitiba. Deltan Dallagnol, procurador da República, líder da igreja Batista de Bacacheri e apreciador de esportes radicais, comandou, em 14/09/2016, a apresentação midiática de denúncia oferecida contra Luiz Inácio Lula da Silva, por corrupção e lavagem de dinheiro – versão da Lava Jato sobre um apartamento triplex no Guarujá. Segundo Dallagnol, o ex-presidente seria o “comandante máximo do esquema de corrupção na Petrobras”. Outra versão acusatória havia sido apresentada anteriormente. Em 09/03/2016, os promotores Cássio Conserino, Fernando Henrique Araújo e José Carlos Blat, do ministério público de São Paulo, imputavam ao ex-presidente da República a prática de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica e pediam sua prisão preventiva. Na disputa judicial que se seguiu, venceu a segunda versão, do ministério público federal. O juiz Sérgio Moro já possuía uma interpretação sobre o caso: “os ilustres promotores de Justiça autores da denúncia relacionaram equivocadamente a concessão do apartamento em questão” a fraudes na cooperativa dos bancários (<http://www.conjur.com.br/2016-nov-30/ministro-stj-volta-aprovar-fatiamentodenuncia-lula>). Desde então, ficou estabelecida uma “suposta conexão” do caso com o objeto da operação Lava Jato. No dia 12/07/2017, Sérgio Moro condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 9 anos e 6 meses de reclusão, além da multa, decretando também sua interdição, por 19 anos, para o exercício de cargo ou função pública ou de “diretor, membro de conselho ou de gerência das pessoas jurídicas” indicadas no art. 9º, da Lei nº 9.613/1998. Determinou ainda o confisco e o sequestro do apartamento 164-A do condomínio Solaris, no Guarujá, considerado produto de corrupção e lavagem de dinheiro, e fixou em 16 milhões de reais o valor de “reparação dos danos decorrentes dos crimes”. O juiz entendeu que não havia provas suficientes para caracterizar como crime de corrupção o armazenamento, embora “irregular”, dos bens do acervo presidencial. No tocante a essa imputação, afirmou não existir “muita controvérsia sobre os fatos, mas somente sobre a interpretação deles” (item 926 da sentença). Para acolher, no principal, a narrativa da acusação, o juiz encontrou sustentação nas declarações de um dos corréus, José Aldemário Pinheiro Filho, ou Leo Pinheiro, expresidente do grupo OAS. É dele a fala que respalda a versão acusatória. Todos os demais elementos, uma coleção de fragmentos esparsos, impressões subjetivas e miudezas sobre rasuras e detalhes que, por si somente, não teriam o efeito de indicar uma via única e conclusiva entre outros caminhos possíveis, passam a fazer sentido à luz da verdade de Leo Pinheiro. Sua “confissão” é o fio que orienta toda a trama. A prova “preexistente” e dita “independente” da colaboração do corréu, “prova documental *
Professora Adjunta de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – UnB.
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