O DEVIDO PROCESSO LEGAL EM RISCO NO BRASIL: A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NA ANÁLISE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA DE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA E OUTROS Carol Proner* Gisele Ricobom** O Inexcedível Devido Processo Legal O direito internacional dos direitos humanos está repleto de normas garantidoras do chamado devido processo legal/due process of law, entendido como um limite ao Estado diante da necessidade de assegurar um processo justo como garantia de direitos humanos. Trata-se de um princípio estruturante, princípio-pressuposto contido de outros igualmente necessários para assegurar ao acusado a ampla defesa e o contraditório diante da legitima violência estatal e do poder punitivo. Antes de analisar o devido processo à luz da jurisprudência do Sistema Interamericano, objeto do presente texto, destacamos algo que precisa ser compreendido previamente para efeitos de conectar o sistema supranacional à sentença que condenou o exPresidente Luís Inácio Lula da Silva no caso que ficou conhecido como Triplex do Guarujá: o reiterado descumprimento dos mais elementares princípios constitutivos do que pode ser considerado um juízo justo. É transversal ao processo contra o ex-Presidente a inobservância das garantias do due process of law em praticamente todas as fases até o momento da sentença, sendo este especialmente surpreendente quando o magistrado assume a conduta excepcional justificando o combate a um mal maior, o “combate à corrupção”, “o combate à corrupção sistêmica”, “o combate à prática sistemática de corrupção e lavagem de dinheiro em contratos da Petrobras”. Nesse sentido, revela-se aqui um grande problema da justiça penal de nossa época, como destaca o ex-juiz da COIDH, Sérgio García Ramírez57, nas contendas que envolvem direitos humanos e criminalidade surge um falso dilema entre devido processo (due process) e contenção do crime (crime control). Enfrenta-se, de um lado, a eficácia do sistema penal entendido como um sistema de controle da criminalidade e, de outro, as garantias processuais, individuais, o direito à ampla defesa, o estado de inocência, o contraditório e tantos outros instrumentos de garantia tomados como obstáculo à eficácia investigatória das infrações e de seus autores. Na sentença, fica evidente que a falsa polarização entre o direito do indivíduo e os direitos da sociedade – corrupção como mal sistêmico que afeta a todos – faz nascer a torpe justificativa para o uso excepcional do direito, algumas vezes suscitando a *
Doutora em Direitos, Professora da Faculdade Nacional de Direito, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Diretora do Instituto Joaquín Herrera Flores. ** Doutora em Direitos, Professora do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Integração Latino-americana. 57 Jurista mexicano que foi ex-Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ramírez, Sergio García. El debido processo, Editora Porrúa, Argentina, 2012.p.7.
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