DIREITO PENAL DO INIMIGO (POLÍTICO) Charlotth Back* A sentença do juiz Sergio Moro, que condenou o ex-Presidente Lula a nove anos e seis meses de reclusão por um suposto (e não comprovado) enriquecimento ilícito, fruto de uma alegada prática de corrupção, é um exemplo claro da aplicação da doutrina do Direito Penal do Inimigo, com a finalidade de "combater a corrupção no Brasil". Essa doutrina foi criada na década de 1980 pelo jurista alemão Günther Jakobs, mas ganhou força no governo de George W Bush, após o ataque às Torres Gêmeas de 2001, e, principalmente, nas invasões norte americanas ao Afeganistão e ao Iraque. Sob o argumento de segurança nacional, de legítima defesa ou de combate ao terrorismo - o proclamado mal do século XXI - certas pessoas, por serem consideradas inimigas da sociedade ou do Estado, não deteriam todas as garantias e proteções penais e processuais penais que são asseguradas aos demais indivíduos. Em nome da defesa da sociedade, as garantias penais mínimas consagradas pelas constituições e pelos instrumentos internacionais de proteção dos Direitos Humanos, como a presunção de inocência, a vedação da condenação sem provas, o princípio da legalidade, a neutralidade do julgador, a proibição da tortura, bem como o impedimento de obtenção de provas por meios ilícitos, não se aplicam aos proclamados "inimigos da sociedade". Jakobs propõe a distinção entre um Direito Penal do Cidadão, que se caracteriza pela manutenção das normas, das garantias penais e dos limites ao poder de punição e investigação do Estado, e um Direito Penal do Inimigo, totalmente orientado para o combater os "perigos" sociais, e que permite que qualquer meio disponível, lícito ao não, seja utilizado para punir esses não-cidadãos. De acordo com Jakobs, não se trata de contrapor duas esferas isoladas do Direito Penal, mas de descrever dois polos de um só mundo e de visibilizar duas tendências opostas em um só contexto jurídico-penal. Nesse contexto, temos o Direito Penal do Cidadão, cuja tarefa é garantir a vigência da norma como expressão de uma determinada sociedade e o Direito Penal do Inimigo, ao qual cabe a missão de eliminar perigos. Ademais, no Direito Penal do Inimigo, há uma verdadeira caçada ao autor de um pretenso delito, pois o agente é punido pela sua identidade, por suas características e pela sua personalidade. Pune-se o autor, e não, a conduta delitiva em si. Assim, reprova-se a periculosidade do agente e não sua culpabilidade. A aplicação deste Direito Penal do Inimigo significa a suspensão de "certas normas" para "certas pessoas", o que sempre é justificado pela necessidade de proteger os "homens de bem", a sociedade ou o Estado contra determinadas ameaças coletivas. No pós 11 de setembro, o terrorismo passa a ser processado com leis de guerra, e seus acusados, considerados prisioneiros de guerra. O sentido garantista e limitador dos poderes punitivos do Estado, assegurado pelo Direito Penal, dá lugar à uma perseguição, na qual as leis passam a ser leis de combate, situação análoga ao que ocorreu nos regimes fascistas. As pessoas processadas criminalmente já não estão mais protegidas pela constituição ou pelos princípios mínimos dos Direitos Humanos. Aos considerados *
Pesquisadora visitante no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal); Doutoranda em Ciências Jurídicas e Políticas, Universidade Pablo de Olavide (Espanha).
91 COMENTÁRIOS A UMA SENTENÇA ANUNCIADA: O PROCESO LULA