LXVI SESSENTA E SEIS
A INTUIÇÃO RESPONDENDO PARA A RAZÃO
Ontem fui abordado por um senhor, de aparência bastante simples, humilde, mas de uma inteligência viva e bem aguçada. Como auto didata, demonstrava um vasto e profundo conhecimento e muita cultura. Tinha excelente domínio da gramática, fazia, com certa perfeição, a concordância de pronomes, substantivos e verbos, frases e períodos. Era de uma fluência invejável. Depois de inúmeras palavras de elogios a minha pessoa, fez a pergunta que o levou a procurar-me.
— Professor, — disse, com ar de muito respeito e admiração, — “me falaram que o senhor é um grande filósofo. Pois bem, quero que me responda com toda sinceridade, O que é a morte? E porquê morremos?”. Num primeiro momento fiquei completamente perplexo com a profundidade da pergunta e seu oportunismo. Após pensar por alguns breves segundos, tomei a mesma atitude que tomaria Sócrates diante de um fato como esse. Lhe devolvi a pergunta reformulada: — O que é a morte para o senhor? Então ele começou falar de forma descontraída, clara e objetiva: — “Minha inteligência é muito pequena para compreender o grande mistério que envolve o significado da morte. Tenho para mim que é o rompimento de um processo, o limite de uma trajetória, o interromper de uma caminhada, o selo da construção de um projeto, a porta de entrada par uma nova dimensão, a porteira aberta para a derradeira e definitiva morada”. Fiquei completamente sem fala. Então ele continuou: — Na minha modesta concepção, o significado real da morte é o desligamento de nossa existência consciente para passarmos ao estado de espírito perfeito. Penso que a morte não se realiza num momento único. Ela vai acontecendo ao longo de nossa existência. A cada dia morremos um pouco, até completar o ciclo 147