LiteraLivre Vl. 6 - nº 33 – Mai./Jun de 2022
Renato Bruno São Gonçalo/RJ
Acerto de contas Quando Ricardo recebeu a notícia, ele tinha acabado de sair do banho e estava deitado pelado na cama. Até então, tudo tinha saído conforme ele queria e o cheiro de casa limpa lhe dava um certo orgulho, naquele momento. Estava, finalmente, morando sozinho, estava empregado e, naquele mês, não estava devendo ao banco, no cheque especial. Não era pouca coisa para ele. Tinha até comprado um aparelho de arcondicionado – de segunda mão, é verdade, mas ele estava ali, funcionando naquele quarto e isso era o bastante. Por isso, quando o telefone tocou, sua alma estava leve. Não havia nada que ele temesse frente ao mundo. Tanto foi assim que Ricardo se deixou ficar deitado na cama, enquanto o telefone tocava, tocava, tocava... Mas, depois de um certo tempo, percebendo uma certa insistência naquela ligação, ele levantou e pegou o aparelho, que estava no chão, carregando a bateria. Era a irmã e o silêncio que seguiu, naquele quarto e sala, em Duque de Caxias, logo após ele dizer “pronto”, mostrou a gravidade da situação. – O médico já passou aí? – Já. Falta agora o psiquiatra... – Eu vou arrumar umas coisas por aqui, colocar algo de comer na mochila e vou passar aí. – ...
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– Beijo. Fica com Deus. Isso vai passar. Pode ter certeza. Isso vai passar... – Desculpa. Eu não devia ter ligado... – Deixa de ser besta... Você é minha irmã. Ela é minha sobrinha. À tarde, eu devo estar chegando por aí... A irmã de Ricardo sempre dera trabalho. A cidade onde moravam era pequena e ela, desde nova, andava no meio da molecada, rindo e tirando sarro com os meninos mais inocentes da turma do irmão. Com os malandros maiores que moravam na mesma rua, ela evitava contato, sem, no entanto, deixar de provocá-los também, fazendo insinuações e poses “distraídas”. O problema é que, mesmo ela rindo, aquelas palavras sujas, ditas por aqueles marmanjões à distância, no fundo, a feriam e a magoavam, pois faziam com que ela, depois, se desse conta do moto continuo que era a sua vida. À noite, todas aquelas obscenidades retornavam através dos seus sonhos e a oprimiam, fazendo com que ela se sentisse suja e lembrasse o que queria e precisava esquecer, para, enfim, na manhã seguinte, poder acordar e viver mais um dia.