LiteraLivre Vl. 6 - nº 33 – Mai./Jun de 2022
Rosangela Maluf Belo Horizonte/MG
Presentes que me dous (1) Mais um domingo de céu azul e sol brilhante. Mais um dia de isolamento social, de permanência em casa com muito medo da virose que, a cada dia, faz milhares de vítimas. Sem poder abraçar ninguém com medo de nos infectarmos. Beijar então, nem pensar. Procuramos ao máximo distanciar-nos uns dos outros, nos resguardando e resguardando o outro também. A pandemia tem feito de nós seres muito diferentes do que éramos. Uns poucos, buscando o ressignificado de tudo, tentando mudar para melhor; outros experimentando o fundo do poço, intensas situações de estresse, de ansiedade, de tristeza, de agonia, de mais pobreza, de fome. Ninguém, nunca mais será igual ao que era antes! Seria este o objetivo deste vírus devastador? Vai saber... Acordo e abro os olhos. Sei que vivemos há quase um ano, numa reclusão involuntária, mas necessária. Coloco-me inteiramente presente no aqui e agora. Tenho exercitado disciplinadamente esta conexão com o presente e , confesso, tem-me feito muito bem. Estou em minha cama. Meu colchão, com o top pillow que me dei de presente. Uma simples camada de nylon(?), traz às minhas noites um
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conforto indescritível. Sinto a textura do lençol. Sinto a temperatura do meu corpo, em contato com o algodão macio. Ainda de olhos fechados, me viro de lado e - atenta a tudo que me toca - sinto a maciez do travesseiro em que me deito, e outro que posso abraçar ou não. Vivo intensamente este despertar. Curto o meu corpo. Exploro as sensações em minha pele. Inspiro e expiro. Espreguiço gostosamente enquanto bem-te-vis cantam lá fora, em uma árvore próxima à minha janela. Ouço aquele canto e conto: dezoito vezes e o pássaro continua lá, saudando a manhã que se inicia. Quero, eu também, saudar o dia que surge. Será um dia muito diferente do que eu gostaria de viver e justamente por isto, preciso fazer dele um dia especial. O melhor dia que eu puder proporcionar a mim mesma. No caminho para o banheiro encontro os três gatos que chegam pra me desejar bom dia. Na verdade, o que eles querem é um carinho. Afago o pescoço de cada um deles. Adulo os três. No banho concentro-me novamente no aqui e agora. Que bênção dispor de um banheiro confortável, com água, muita água e