LiteraLivre Vl. 6 - nº 33 – Mai./Jun de 2022
Victor Alves Ciscar São Paulo/SP
A criatura mística do vagão Edgar, 14 anos. Um jovem taciturno, de um semblante sorumbático e moribundo. Olheiras profundas e densas, cabelo preto, dedos finos e esqueléticos, corpo franzino, e uma face apática, enfeitada por olhos ambíguos e vagos. Usa roupas escuras, capazes de esconderem todo o seu corpo. Em público, anda pelas sombras, com o intuito de ser despercebido pela multidão; e nunca olhava alguém nos olhos, para o garoto, era constrangedor. Edgar, melancólico, é um recluso social. Vive no mundo dos humanos, mas também no mundo das criaturas, simultaneamente, embora seja introvertido em ambos. Desde criança era vítima de rejeições e de infames olhares de desprezo por ser ‘diferente’ dos demais. Desde muito cedo cultivava uma mistura de ódio, mágoa e dor. Edgar, certo dia, estava atrasado para um compromisso. Saiu rapidamente de casa, percorreu seu percurso, evitando multidões, claro. Chegou à estação, aguardou seu trem, averiguou qual vagão estava mais vazio, e adentrou. E como de costume, locomoveu-se para um canto em que havia ausência de pessoas. O menino tinha um “dom”, podia visualizar o intangível, assim como se vê o tangível. No vagão, um monstro chamou-lhe a atenção: portava uma boina e um sobretudo cinza-plúmbeos, um paletó escuro e uma gravata escarlate; deveria ter cerca de 2 metros, suas mãos assemelhavam-se às patinhas de cachorro, seu nariz tinha uma fisionomia oblíqua, seus caninos da boca eram enormes, e seus olhos eram intimidadores, pois suas pupilas eram finas, como as de um felino. A criatura, carrancuda, percebeu que o menino a encarava, e aproximou-se do garoto, pois enxergava nele uma singela vaidade que possuía outrora. Edgar tentou desviar o olhar, para evitá-lo, mas foi irrelevante. A criatura, curiosa, perguntou-lhe: - Do que se esconde tanto, garoto?
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