LiteraLivre Vl. 6 - nº 33 – Mai./Jun de 2022
Ilana Sodré Salvador/BA
Dois conselhos — Ah, Isabel! De novo? Mamãe grita irritada da porta do banheiro. Não consigo responder, a náusea revira meu estômago e eu trato de enfiar o rosto no vaso sanitário mais uma vez. Estou concentrada em colocar toda a bebida dessa madrugada para fora, mas consigo me concentrar no falatório quase indecente de minha mãe. — Você vai morrer desse jeito, está certo beber que nem uma alcoólatra toda noite? - o riso escapa em soluços, junto com ele a última leva de vômito quente pousa na latrina. — A senhora já foi jovem, dona Matilde. Eu estou apenas vivendo. - é uma desculpa, eu sei disso, mamãe também sabe e ainda assim não deixa de ser a verdade. Desde que terminei com Paulo meu lema é viver o hoje. — Fui jovem sim, mas não estava interessada em orgias e festas regadas a álcool. — Tenho certeza que minhas histórias têm animado seus dias. - começo a escovar meus dentes e encontro seu olhar através do espelho em cima da pia. Não é só desgosto, ela tem fome naquele olhar. Se alguém lhe desse uma oportunidade de voltar no tempo e ser jovem de novo ela iria sem hesitação e viveria a vida como deve ser. No fundo seu olhar me transmite a inveja de ter
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tido Mateus e então se trancado em casa como uma boa dona de casa, mãe e esposa - até a morte de nosso pai, há três anos. — Você está cada dia mais ousada, Isabel. Veja só, eu ouço para saber exatamente em que enrascada você se meteu. Arqueio a sobrancelha direita e mamãe não segura meu olhar por cinco segundos, desvia rapidamente. Mesmo sendo negra, consigo ver seu rosto ficando vermelho. Deixo que ela finja que ao me ouvir não sente a mesma emoção que eu sinto em minhas aventuras diárias. — Hoje fui ao circo. - a afirmação inocente não a engana - Lembra de Denis? Amigo de Paulo? - ela assente enquanto guardo minha escova. Seguro em seu braço, o engancho no meu e nos guio até meu quarto, para termos privacidade. - Pois bem, o circo que está na Paralela agora é da família dele. Nem sabia que Denis era contorcionista. Fui para ver o espetáculo, fiquei encantada com o número dele. — Não explica a bebedeira. – mamãe, sentada em minha cama, mordendo o lábio inferior e segurando uma mão na outra com força, não é novidade para mim.