LiteraLivre Vl. 5 - nº 30 – Nov./Dez. de 2021
Débora Araújo Irecê/BA
Erva Daninha — De hoje não passa – ela diz, sentando ao seu lado. Tira a mão do bolso casaco, segurando um frasco com algumas pílulas dentro. Ele olha como se nunca tivesse visto aquilo antes, embora sua mãe tomasse duas daquelas todas as noites para conseguir dormir. — Você foi à farmácia? — é a única coisa que consegue perguntar. Ela assente com a cabeça e leva a mão ao outro bolso do casaco. Pega um cigarro e o coloca entre os lábios, aproxima o isqueiro, mas têm que pressionar o botão umas três vezes até que ele acenda. Ele se lembra dela no estacionamento da escola, anos antes disso tudo acontecer, rodeada de colegas, o cigarro sempre aceso na boca. Até então ele pensava que as únicas pessoas que fumavam era gente velha, quando já não tinham o menor ânimo para viver. Sabia que havia formas mais rápidas de se tirar a própria vida, mas a maior parte da população preferia métodos mais lentos e dolorosos, como bebidas, cigarros e se
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afogar numa rotina de trabalho e pagamento de contas. Ora, o próprio fim do mundo não foi um grande suicídio coletivo, lento e doloroso? — Estou aliviada de ter encontrado isso. – Ela o desperta dos seus devaneios. — Aquelas giletes estavam enferrujadas demais para o meu gosto. Também não sei se conseguiria fazer direito. Sem internet é meio difícil, sabe — fala, enquanto fixa os olhos no cigarro preso entre o dedo indicador e o médio. — Sempre achei que você gostaria de um fim mais teatral — ele brinca e ela dá uma risadinha. — Você é minha única plateia e é meio apático, na verdade. É importante que ela diga “é”, ao invés de “está”, ele observa. Sempre achou que o fim do mundo traria grandes mudanças, porém enquanto aguarda o pôr do sol no maldito pósapocalipse, ele percebe que é o mesmo que esperava sua mãe colocar um prato de comida à sua frente todas as noites na hora da janta.