Os senhores nunca me viram comer uma coisa fora de hora. Comer por mera gula, não. Mas se é hora de comer, escolhe-se com jeito o melhor lugar e se organiza a ida. E se tem que mandar um automóvel pegar, manda, porque é hora de comer. Este é um apetite definido e organizado. O apetite da criança e o apetite do doente não é o apetite do homem maduro, que tem apetite de fato, como é o meu caso210. E eu conservo o apetite de alguns dos mais truculentos dentre os senhores211. Correlação entre o prazer do corpo e o prazer da alma, entre a sede física e a sede metafísica Analiso a comida inclusive pelo seu significado psicológico, e sei que, comendo uma boa comida – não se espantem com o jogo de palavras –, como virtude e saio da refeição melhor do que entrei. Uma coisa que entra nessa linha é o ar. O bom ar de si é uma delícia. E quando respiro o ar bom e saudável, vejo que há uma relação disso com o prazer de minha alma quando leio trechos da Suma Teológica212.
* De tudo o que eu disse, vê-se que há uma relação entre a minha vida interior e o meu prazer culinário213. Considerem o salmo “Sicut cervus desiderat ad fontes aquarum” – “Assim como o cervo vai à fonte das águas, assim a minha alma deseja a Vós, meu Deus”. Deus mata a sede que nós temos d’Ele. Logo, entre uma sede e outra sede há uma relação. E entre a sensação física que a água dá, de um lado; e de outro lado o élan da alma para com Deus; e entre a sede saciada e o saciar-se de Deus na visão beatífica, sendo que de Deus ninguém se sacia, há uma correlação estabelecida pela própria Revelação. É muito delicado estabelecer qual é esta relação. Só sei que esta relação existe, mas não consegui ainda a definir, apesar de eu ser não só um
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