Então, no fato de eu preferir escrever usando uma prancheta e sentado numa poltrona, há duas vantagens que se somam252. Equilíbrio entre mobilidade e imobilidade Eu tinha, fisicamente, horas de muita vivacidade. E sentia, então, subir do mais fundo de meu ser, mais física do que psicológica, uma vontade de me mover, de ver lugares diferentes, de me esforçar, de acionar a musculatura. Houve tempo em que eu andava a pé, por exemplo de minha casa na rua Barão de Limeira, esquina com alameda Glete, até a avenida Paulista, onde é a atual capela do Colégio São Luís. Eu subia assim a avenida Angélica, que para mim era uma ascensão do outro mundo. Eram ocasiões raras, mas de vez em quando eu fazia isto. Era uma coisa honesta em si, e eu dava vazão razoavelmente a isto. Mas é preciso dizer que eu não era um grande andarilho, não era um grande caminhador, nunca fui sportman em nenhum sentido da palavra. Agora, isso tudo com uma vantagem que Nossa Senhora me concedeu, que era de ser muito igual de ânimo. Eu tinha a mesma disposição de refletir e de pensar a todas as horas do dia, em todos os dias do ano. E nem sabia que isto se chamava refletir ou pensar. Era como quem come, bebe, dorme, respira: assim eu refletia e pensava. Isto trazia um gosto muito grande pelos prazeres calmos, pelos deleites tranquilos, detestando a barulheira em torno de mim. Criança pulando com frenesi e correndo, essas coisas, não! Eu não dizia, mas a vontade era dizer: “Ponha-se em ordem, fique quieto ou vá embora!253
* Eu não era um menino solitário. Eu gostava muito de conversar, eu era de conversar horas. Mas, feitas as conversas, certas partes do dia eu gostava de estar sozinho. E me punha a ler “L’Illustration”, “L’Université des Annales” e outras publicações assim, sossegado, deitado em geral – nem era sentado – numa espécie de sofá, com todas as janelas abertas e não raramente com um copo de água com açúcar perto, que eu ia bebendo com tranquilidade. Comodidade, suma limpeza em tudo, pureza e reflexão; reflexão tranquila, amena, serena, séria, muitas vezes apertante, mas reflexão. Eram 252 Chá SB 14/11/90 253 SD 10/12/83 1ª PARTE – O MENINO PLINIO 119