Mais do que tudo, para mim, eram os cisnes à beira do lago. O cisne saía de umas casinholas de porcelana e vinha majestoso, realizando um ideal para mim: mover-se sem fazer esforço. E então via o cisne leve, flutuando e gostando da água, mas sentindo-se superior a ela e olhando-a aristocraticamente de cima. De maneira tal que se tinha a impressão de que, naquela posição do pescoço – uma espécie de “S” sublime com aquela cabecinha na ponta – havia todas as delícias do aristocratismo. Um dos ápices das delícias do jardim da Luz eram aqueles cisnes. Quando eu voltava para casa, voltava com uma porção de impressões que diziam respeito à ordem universal vista sob certo ângulo. Era evidentemente a natureza, mas vista com os olhos do inocente e do batizado, e que me conduzia ao desejo de certa super-inocência, de certa super-pureza, de certa super-virtude que era o necessário para que tudo aquilo me atraísse em toda a medida. Claude Lorrain, famoso pintor francês que não pintava propriamente o sol, mas pintava a luz do sol batendo em cima de velhas paredes leprosas, tornando-as parecidas com pedras semipreciosas que pareciam dizer: “Ô Soleil! toi sans qui les choses ne seraient que ce qu’elles sont” – “Ó sol, sem o qual as coisas não seriam senão o que elas são”280. A fortiori se poderia saudar do mesmo modo a inocência, “sans laquelle les choses ne seraient que ce qu’elles sont!”. Tudo isso seria diferente se o mesmo jardim da Luz fosse visitado por um menino sem inocência. Ele teria vontade de matar os passarinhos, de sair correndo para pegar o cisne, de quebrar a casinha de porcelana desse cisne, de fazer batalhas com os outros meninos, porque “ele veria as coisas apenas como elas são”281. Amor à arquetipia Isso tudo, por um favor de Nossa Senhora que não mereci e que Ela me deu porque quis, as mais antigas recordações que tenho de mim desde a primeira infância já foi arquetipizando: certa coisa acho bonita, mas posso imaginar uma coisa mais bonita do que esta? Que expressão de alma teria? Que forma de virtude exprimiria e representaria? Que forma de santidade se veria manifestada ali? Essas cogitações abrangiam coisas as mais insignificantes, como por exemplo, nas minhas idas ao dentista, onde havia um muro em que estava
280 Edmond Rostand, Chantecler, 1910. 281 CSN 29/8/92 1ª PARTE – O MENINO PLINIO 131