Olhando para dentro de mim mesmo, eu me sentia tão bom quanto me pareciam bons os outros, tão benfazejos quanto me sentia ser benfazejo para com os outros. Era, portanto, uma espécie de harmonia global, da qual eu seria um fragmento; não um fragmento quebrado, mas um fragmento vivo, como por exemplo um galho de uma planta é um fragmento e um prolongamento natural da planta. Assim, eu me sentia como que um galho de toda essa ordem universal. Tudo isto, tomado em seu conjunto, não posso afirmar que girasse em torno de mamãe, mas se nutria largamente do exemplo da pessoa dela. Ela era toda dourada em tudo dela, o que explica aquele amor que eu tinha a ela e que conservo até nossos dias334.
* Também o pulchrum aparecia para mim como a própria pele do rosto do bem. Quer dizer, se era pulchrum, esse pulchrum era a expressão do bem. Por causa disso eu cometia, na apreciação psicológica das pessoas, dos outros meninos e de tudo o mais, erros colossais, porque às vezes uma pessoa pode ter fisionomia de pura e de boa por mera aparência, sem ter no fundo nada disso. Daí decepções colossais e sistemáticas. Então, o amor à coisa bonita era misturado com o amor ao bem. A coisa bonita era, para mim, quase que a consubstanciação de uma coisa boa335. Felicidade de situação Comecei, portanto, a aprender a degustar os prazeres castos, as alegrias sóbrias, as satisfações moderadas, mas suculentas, a tranquilidade de consciência, e fazer de minha vida uma vida alegre dentro da ordem posta por Deus336. O fato de ser bom, o fato de ter nexo com o que chamamos de transes337 fera , comporta uma felicidade imensa. E quando o indivíduo rompe o nexo com a transesfera, ele rompe sem ter bem ideia de que aquilo é felicidade.
de vossa graça, eu começara a amar tanto e tanto. Lembrai-Vos, Senhora, deste Davi e de toda a doçura que nele púnheis. Assim seja”. 334 CSN 12/8/95 335 MNF 7/10/94 336 Chá PS 6/12/84 337 Sobre o conceito de “transesfera”, v. nota 288 da página 137. 1ª PARTE – O MENINO PLINIO 171