Eu queria conservar a inocência de minha alma e percebia que, conservando-a, negava tudo o que os revolucionários defendiam. Mas via que isto não bastava: era preciso levar a negação do que eles dissessem a um ponto onde há séculos ninguém negava, e assim tornar a negação tão completa quanto possível. Procurei as razões profundas pelas quais a minha inocência queria firmar-se a si mesma e encontrei essas verdades. Percebi, nessa ocasião, a vida que isto abria para mim. Era a vida a mais extraordinária e a mais bela que um homem do nosso século, talvez de muitos séculos, pudesse levar. Mas também a vida mais triste, mais atormentada, mais difícil e mais esmagada, se não conseguisse de algum modo empurrar os adversários para trás. Resolvi, ao pé da letra, crucificar-me nisso. Quer dizer, não esperar nada deles. Às vezes até me espanto, porque no meu “orçamento” estava a previsão de que eu devesse pagar um preço mais alto ainda do que de fato paguei pela minha fidelidade. Em tudo isto, a graça foi-me ajudando. Sem a graça eu não teria forças para isto421. O combate externo contra a visão prosaica e interesseira da vida e contra o espírito hollywoodiano Por tudo quanto me parecia grande e sublime, a minha alma tinha uma verdadeira atração. De maneira que uma porção de coisas me despertavam pensamentos e gostos para o elevado, para o extraordinário, para o magnífico. Quando pela primeira vez me chamaram de lado para me dizer que não havia cegonha, e como no gênero humano se dava a multiplicação da vida, senti o infame que me disse isto gargalhar contra o sublime. Vi que ele queria arrancar de minha alma essa sublimidade, contando uma coisa que era verdadeira, mas que era informada de maneira a ter uma perspectiva falsa. E com essa perspectiva falsa arrancar-me do sublime. Eu me indignei, não aceitei. Pouco depois, entrando no Colégio São Luís, ao travar contato com os meus colegas, percebi que o sublime não estava presente em nada no horizonte deles: nem nas brincadeiras, nem no que eles falavam, nem no que eles diziam. Nunca ninguém falava de uma coisa sublime. Eram só brincadeiras levando para o mais baixo, as quais se apresentavam a mim juntamente com tendências sociopolíticas peculiares. 421 CM 30/11/86 2a PARTE – A ATMOSFERA PRIMAVERIL DA VIDA ESPIRITUAL 223