Se uma pessoa está habituada a se ver no centro de todos os panoramas, e a se imaginar no centro dos panoramas e de todas as suas cogitações, esta pessoa não pode deixar de ter uma série de reações vis, algo como de galinha ameaçada, com medo da morte. Quando digo que não me engajo na “torcida”, isto não quer dizer que não tome o gosto pelas coisas. Tomo gosto, mas sem apegos e sem aflições. Por exemplo, quando eu como crêpe de framboesa, gosto de uma coisa dessas, e gosto com ênfase; mas não entra nenhuma vibração nervosa nisso. Quer dizer, se for preciso deixar de lado a crêpe para tratar de outra coisa, não vou perder um minuto com a crêpe. E há noventa e tantos por cento de possibilidade que eu esqueça da crêpe58.
* Tudo isto considerado, sei bem que não se diz de mim – e não há fundamento para se dizer – que eu seja uma pessoa de um temperamento nem um pouco frio, nem indolente, nem inerte59. Graças a Deus, não tenho nada desses indivíduos endurecidos e incapazes de uma emoção, secos como uma tábua de lavar roupa. Não! É evidente que não60. Propensão para a calma, para o sossego e para degustar a normalidade da vida A placidez, acho que temperamentalmente herdei sobretudo de mamãe. Porque essas coisas têm algo de psicossomático que é herdável. Ela tinha isso61.
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Quando me lembro de mim em pequeno, recordo-me de uma debilidade que me obrigava a ser estático. Sempre tive uma memória muito ruim. E diante das muitas coisas que se sucediam, nascia em mim a necessidade de me lembrar delas para conseguir coordená-las. E então sentia a impossibilidade de conter todas. 58 MNF 17/3/95 59 Chá SB 19/11/92 60 Chá PS 27/11/85 61 CSN 2/2/85 1ª PARTE – O MENINO PLINIO 41